sexta-feira, 16 de outubro de 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009


criança

se fores capaz de criançar o vocabulário
de ver um pássaro nos olhos do gato
um peixe no galho das árvores
um carneiro no algodão das nuvens
por certo
ainda tens uma criança em teu coração

criança é signo de liberdade
sigilo da imginaão
não se recohece pela idade do corpo
mede-se pela voz da alegria
não é questão de tempo
é quando a inocência do espírito
vence pelo amor toda a hipocrisia

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

CÓPIA REVISADA

Desafios da ética na contemporaneidade.
Papel da educação e o lugar da poesia.

Senhoras e senhores, boa noite,

Alguns homens buscam ouro.
Outros, fantasia!
Há os que se reinventam
Entre sombras e atalhos .
Aventuram cada sol em nome da vida.

De inicio, agradeço aos responsáveis por este evento e aos gestores desta Universidade pelo convite.É um privilégio dialogar com um público diferenciado e interessado em assunto tão antigo e tão atual, ao mesmo tempo negado e acolhido ao longo da história da humanidade, em sua venturosa e trágica travessia pelo Planeta Terra. Reunir um grande número de pessoas dispostas a ouvir e discutir de maneira sensível e democrática um tema pungente e necessário é já , por si, sinal de que nem tudo está perdido para o ser humano, no complexo contexto social , em que todos, sem exceção, vivemos mergulhados na mais absurda perplexidade. Todos, inclusive nós, pequena parcela de cidadãos brasileiros e do mundo, vizinhos no pequeno Planeta Terra e dos imponderáveis sítios perdidos no coração do Universo.

Viajei muitos quilômetros para estar aqui, nesta noite. Durante o percurso, cortei paisagens de nuvens, sobrevoei cidades, atravessei campos e cerrados. Vi e imaginei grandes rebanhos de novilhos brancos pastando obedientes e serenos, enquanto engordavam sob as ordens o desejo de seus donos, vi e imaginei fábricas, usinas, represas, universidades, hospitais, presídios, catedrais, estádios de futebol, motéis, armazéns, florestas destruídas, montanhas e abismos, toda a arquitetura sócio-econômica e político-cultural, de um mundo ébrio de poder, cego pelo saber, saturado de bugigangas e de informações e, por isso mesmo, em muitos pontos ameaçado de desabar. Casas abandonadas, trabalhadores madrugando em bandos, feitos pássaros sem pouso, em busca de sustento e de menos sofrimento para si e para suas famílias.

Risco maior e mais evidente após a conquista da violenta vitória e da arrogante e emergente hegemonia, em escala planetária, do projeto neoliberal.
Diante deste cenário, nada animador, o que teria a dizer-lhes, senhores professores, estudantes e outras pessoas presentes, aqui, hoje, um outro cidadão brasileiro, igualmente perplexo e ferido pelas mazelas nacionais e contemporâneas?

Alguns, talvez esperem de mim, um discurso sistemático, metodológico e historicamente fundamentado, sereno e ascético, como convém a um clássico professor de Filosofia. Outros, talvez, ficassem felizes se minhas palavras avalizassem o comportamento autoritário e acrítico de um processo mecanicista e funcionalista de transmissão de informação e de mera reprodução da sociedade. Falas poéticas, nem pensar! Porque o verdadeiro espírito poético desequilibra as regras do jogo. Nada de metáforas. Nem por dentro, nem por fora da fala cotidiana. Do jargão acadêmico. Nada de paralelismos, aliterações, ou aproximações sonoras, rítmicas e/ou semânticas do tipo escola/gaiola/viola. Nada que acenda, em demasia, a curiosidade e a imaginação dos estudantes. Asas/brasas; abraços/abra/cadabra.Casas. Casais.

Não por acaso, sortilégios assim estranhos e metodologicamente incontroláveis não são aconselháveis aos jovens descobridores do mundo e da vida. Dos desbravadores do espírito, dos riscos e da alegria de viver. Dos mistérios da vida da morte. Dos desafios da existência individual e coletiva, da sobrevivência da humanidade. Para estes jovens iluminados pelo desejo de liberdade e pelo sabor do saber (e não alunos –isto é, sem luz - como até hoje insistimos em nomeá-los, em contraposição à luz dos mestres, do professor, das instituições de ensino , que de tudo quase tudo sabe, ou se pressupõe saber) a ética, na sua essência e na sua historicidade, reserva melhores e mais valiosos e incorruptíveis tesouros.

E que tesouros serão estes? Não se trata aqui, de simplesmente entregar, de mãos beijadas, uma lista exaustiva destes tesouros conquistados pela humanidade, como se fazem com produtos de consumo em campanhas publicitárias de liquidação. Trata-se, ao contrário, de tesouros em falta, não ofertados cotidianamente. Raridades somente encontráveis a partir de uma arqueologia do conhecimento. Frutos de escavações profundas no espírito humano, valores e formas de ser incorporados no comportamento, nos gestos e atitudes cotidianas de cada pessoa, de cada indivíduo concreto, enquanto sujeito responsável e atuante no seio de uma determinada sociedade.

Neste ponto de nossa quase conversa, vale a pena voltarmos à mitológica Grécia de onde herdamos a essência do que pensamos, do nosso modo de ver e interpretar o mundo. Seria erro imperdoável ignorar a tradição do pensamento grego em função das mudanças históricas e das injunções conjunturais de um mundo em crise, sob o rótulo plástico e embaçado da pós-modernidade. Conceito ambíguo que tudo/nada abarca de todas as formas, com ou sem fundamentação sólida e consistente.
Assim, na geléia geral do cenário contemporâneo, parece conveniente a dificuldade em se estabelecer parâmetros e critérios válidos de comportamento éticos, científicos, políticos, econômicos, sociais, morais, jurídicos, estéticos, artísticos e culturais. Tudo sugere que, sob o signo da “satisfação das necessidades imediatas e superficiais” e da manipulação potente e onipresente da mídia e do marketing, o consumismo, a todo e a qualquer custo, seja o único valor vigente em nosso dias.

Daí que sucesso, poder, competição, individualismo, egoísmo, traição, negociação, vantagem, chantagem, insegurança, medo, violência e morte sejam palavras que habitam nosso cotidiano , chaves que permitem abrir os grandes templos simbólicos do mundo contemporâneo. Raras instituições têm conseguido escapar deste vírus letal que, no campo da saúde, pode ser chamado pelo nome de Aids, de tuberculose, malária, ou gripe suína. No campo sócio-econômico e político atende por diversos apelidos como mercado, marginalização, desemprego, suborno, manipulação, corrupção e omissão, para citar apenas alguns de seus cognomes.

No campo educativo e cultural a situação não é menos grave, ao serem os que dela participam, igualmente reeificados e mercadorizados, rebaixados ao nível de objetos postos à venda. Despojados de tudo o que lhe dava sentido, ou seja, a subjetividade, a criatividade, a afetividade, a alegria da descoberta, a participação livre e democrática no processo coletivo de busca e construção da autonomia e da cidadania, os educandos também estão à deriva.

Senhora e senhores, quão longe estamos do ideal grego. De um tempo e de um lugar onde o conceito de ética que, provavelmente nasceu da necessidade de se criar um rumo para a existência humana, para evitar que os aventureiros, e navegadores dos mares antigos, não se orientassem somente através das estrelas, mas por princípios que os protegessem das artimanhas e sofismas da vida real e os impedissem de sucumbir à deriva nos mares e marés das paixões humanas. Estamos, agora, nos transformando, passiva e docilmente, em seres de consumo, animais sem compaixão, inimigos permanentes de nós mesmos e de nossos pares.

Quão longe estamos de compreender e viver no nosso dia-a-dia a ética entendida como ethos, moradia do ser. Ética como lugar da convivência e do cuidado , como sempre reafirma em suas falas o filósofo e teólogo Leonardo Boff. Se houvesse tempo, faríamos um passeio pelos jardins de Epicuro, conversaríamos, sem preconceito, sem fundamentalismos, sem dogmatismos com a tradição do pensamento ético, colocando-a vis-a-vis com os questionamentos e reposicionamentos dos filósofos contemporâneos.

Entretanto é bom relembrarmos, antes de chegarmos ao final deste nosso memorável encontro. A questão ética não se esgota no ato de se estudar e conhecer a história da Filosofia, a trajetória do pensamento ético no ocidente nos dois últimos milênios. A ética, como a entendemos, só existirá se for incorporada no agir, no sentir coração do ser humano. É dimensão profunda, mas não deve ser confundida com a fé de qualquer natureza, embora existam vestígios éticos desde as Leis de Moisés ao Alcorão. Ética também não se confunde com moral, sistemas jurídicos e legais, sendo que nenhum destes sistemas podem renegar nem violar seus princípios. Prova disso é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, as constituições democráticas dos principais paises do mundo, incluindo a nossa de 1988, nas quais os princípios éticos e cidadania estão preservados. Contudo, na prática, é comum, sobretudo em nossos dias, testemunharmos a existência de leis injustas, portanto, não éticas e de jurisprudências imorais. Isto prova que a dimensão ética é de natureza dinâmica e deve se realizar através da vivência, da defesa e das conquistas diárias dos cidadãos coletivamente comprometidos com a vida, com a segurança ,com a alegria e a felicidade de seus semelhantes.

E a escola, onde fica nesta história? Bem, segundo Ruben Alves, em entrevista concedida à Revista Ecológico , de“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. (...) . Porque a essência dos pássaros é o vôo.”“Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”. De certa maneira, esta é, também, a natureza da ética. Trata-se de experiência pessoal, de atitude individual, em contextos históricos particulares e concretos, Semelhante ao que acontece com o ato de voar, ética não se ensina. Estimula-se no seio da família, da escola , da sociedade, das instituições jurídicas e civis, religiosas ou não.Ser livre e ser responsável pela sua própria liberdade, é de inteira responsabilidade do ser humano, aprendizado que se conquista ao longo da vida. Alguns pássaros voam mais alto que outros. Estes são águias, diria Leonardo Boff, outros mergulham no abismo da vida. Contentam-se com as migalhas, com os dejetos que se acumulam à altura do meio fio. Na rês do chão. Voar não compõe seu repertório de sonhos. Seus mapas de utopia.

Mesmo em contextos adversos, como o da sociedade contemporânea, deve se ressaltar o papel da escola e da educação como ambientes responsáveis pelo estímulo do exercício da liberdade e da ampliação do horizonte ético em termos exemplares e de excelência pedagógica. Neste ponto , gostaria de compartilhar com vocês mais um depoimento de Ruben Alves no qual afirma:

“Não acredito que exista coisa mais importante para a vida dos indivíduos e do país que a educação. A democracia só é possível se o povo for educado. Mas ser educado não significa ter diploma superior. Nossas universidades são avaliadas pelo número de artigos científicos que seus cientistas publicam em revistas internacionais em línguas estrangeiras. Gostaria que houvesse critérios que avaliassem nossas universidades por sua capacidade de fazer o povo pensar. Para a vida do país, um povo que pensa é infinitamente mais importante que artigos publicados para o restrito clube internacional de cientistas.”

A escola, portanto, defende José Luiz Quadros de Magalhães em entrevista , publicada na edição nº 400, de setembro de 2009, Jornal Mundo Jovem, “ tem um papel fundamental nesse processo, pois é o lugar do conhecimento e do aprendizado. O ambiente escolar deve ser pautado numa visão democrática que se inicia a partir da delimitação da gestão do ambiente onde se desenvolve a educação.”
E a poesia? Bem a seu modo, vem, desde os tempos gregos, ora ostensiva oura silenciosamente, contribuindo para que a linguagem da alegria e da esperança não desapareçam para sempre da face da terra. É pela poética, pela libertação e renovação da linguagem, a morada do ser, via Martin Heidegger, que o homem se eleva acima da opacidade cotidiana e ilumina a clareira da enigmática floresta dos signos para erigir, entre nós, o labirinto da Verdade, do bem e da beleza.

Pela poesia, posso dizer sem medo de cair no ridículo, que já sinto saudades de todos vocês, saudade original, plantada no coração mesmo do ser”. Seria o sentimento ético uma espécie de saudade do ser original? Saudade de uma morada comum, de uma vida comunitariamente vivida e compartilhada de maneira livre e solidária? Ou isto seria apenas um devaneio do espírito, uma licença poética absurdamente exagerada? Ou maior absurdo seria viver o que estamos vivendo cômoda e passivamente,sem nos questionar, sem questionar nossos pares, sem nos indignar? Não basta, portanto , sermos livres. Precisamos ter consciência de nossa liberdade e sabermos agir de maneira livre, procurando sempre respeitar a liberdade do outro. E para reafirmar a grandeza, a beleza e a importância da ética podemos dizer com Imanuel Kant, o mais destacado filósofo do iluminismo, que dedicou grande parte de seus estudos para lançar as bases de uma ética autônoma, nos limites da razão humana: "As estrelas no céu e a ética dentro de meu coração", ou seja, dentro dele próprio. Poder-se-ia dizer: dentro do coração de cada homem, cuja principal missão é interferir e transformar o mundo, transformando-se a si mesmo.
Porfim, por tudo que nos aconteceu esta noite, já podemos falar de uma certa saudade, marcada pela afetividade e pelo entendimento, a mesma saudade que, conforme Rubem Alves, é nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”