quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

exorcizo pela escrita
no útero da paisagem
o que de mim
em mim mesmo ultrapassa
a parede da fala
o malefício do poema

prefiro ser vasto em sossego
sem saliência
liso de gravuras
mais que própria pedra de giz

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009


nada sei sobre o rosto de meu avô
se seus olhos eram negros ou azuis
nenhuma palavra de sua boca
nem um sorriso

nada me faria antever seu vulto
na penumbra
não fosse seu nome
minha única herança
alguns objetos já desaparecidos
dele me dizem
pendurados na parede invisível da sala
resistem ao tempo da provação
selam de silencio
a genealogia do poema
sem memória

nada sei sobre o rosto de meu avô

nenhum poema
é uma ilha
rodeada por palavras frias

Jão,Hoje, me vi pensando como seria viver em um país de leitores literários. Pode ser apenas um sonho, mas estaríamos em um lugar em que a tolerância seria melhor exercida. Praticar a tolerância é abrigar, com respeito, as divergências, atitude só viável quando estamos em liberdade. Desconfio que, com tolerância, conviver com as diferenças torna-se em encantamento. A escrita literária se configura quando o escritor rompe com o cotidiano da linguagem e deixa vir à tona toda sua diferença – e sem preconceitos. São antigas as questões que nos afligem: é o medo da morte, do abandono, da perda, do desencontro, da solidão, desejo de amar e ser amado. E, nas pausas estabelecidas entre essas nosssas faltas, carregamos grande vocação para a felicidade. O texto literário não nasce desacompanhado destes incômodos que suportamos vida afora. Mas temos o desejo de tratá-los com a elegância que a dignidade da consciência nos confere.A leitura literária, a mim me parece, promove em nós um desejo delicado de ver democratizada a razão. Passamos a escutar e compreender que o singular de cada um – homens e mulheres – é que determina sua forma de relação. Todo sujeito guarda bem dentro de si um outro mundo possível. Pela leitura literária esse anseio ganha corpo. É com esse universo secreto que a palavra literária quer travar a sua conversa. O texto literário nos chega sempre vestido de novas vestes para inaugurar este diálogo, e, ainda que sobre truncadas escolhas, também com muitas aberturas para diversas reflexões. E tudo a literatura realiza, de maneira intransferível, e segundo a experiência pessoal de cada leitor. Isto se faz claro quando diante de um texto nos confidenciamos: "ele falou antes de mim", ou "ele adivinhou o que eu queria dizer".João, o texto literário não ignora a metáfora. Reconhece sua força e possibilidade de acolher as diferenças. As metáforas tanto velam o que o autor tem a dizer como revelam os leitores diante de si mesmo. Duas faces tem, pois, a palavra literária e são elas que permitem ao leitor uma escolha. No texto literário autor e leitor se somam e uma terceira obra, que jamais será editada, se manifesta. A literatura, por dar a voz ao leitor, concorre para a sua autonomia. Outorga-lhe o direito de escolher o seu próprio destino. Por ser assim, João, a leitura literária cria uma relação de delicadeza entre homens e mulheres.Uma sociedade delicada luta pela igualdade dos direitos, repudia as injustiças, despreza os privilégios, rejeita a corrupção, confirma a liberdade como um direito que nascemos com ele. Para tanto, a literatura propõe novos discernimentos, opções mais críticas, alternativas criativas e confia no nosso poder de reinvenção. Pela leitura conferimos que a criatividade é inerente a todos nós. Pela leitura literária nos descobrimos capazes também de sonhar com outras realidades. Daí, compreender, com lucidez, que a metáfora, tão recorrente nos textos literários, é também uma figura política.Quando pensamos, João, em um Brasil Literário é por reconhecer o poder da literatura e sua função sensibilizadora e alteradora. Mas é preciso tomar cuidados. Numa sociedade consumista e sedutora, muitos são leitores para consumo externo. Lêem para garantir o poder, fazem da leitura um objeto de sedução. É preciso pensar o Brasil Literário com aquele leitor capaz de abrir-se para que a palavra literária se torne encarnada e que passe primeiro pelo consumo interno para, só depois, tornar-se ação.João, o Brasil Literário pode, em princípio, parecer uma utopia, mas por que não buscar realizá-la? Com meu abraço, sempre, Bartolomeu

Prezado Bartolomeu, li sua carta de um só fôlego. Nela reconheci o amigo dileto, o escritor delicado e cuidadoso e, em fusão vivenciada, o cidadão atento aos problemas e esperanças de um país admirável e povoado de contradições. Nada mais justo e oportuno um “movimento por um Brasil literário” nos moldes propostos em sua amável carta. Nada mais necessário aos escritores, aos leitores que escrevem, aos intelectuais de nosso tempo ( e, hoje, mais do que nunca, de todos os lugares) essa retomada de c consciência , em uma perspectiva crítica , mas humilde, da importância da literatura e da leitura no processo de construção/reconstrução/reinvenção deste Brasil que amamos e, por isto mesmos, questionamos.
Indispensável dizer sobre o caráter sincero e brilhante de seus conceitos e análises sobe o texto literário. A idéia da metáfora como força política ( não apenas como figura de linguagem, como adorno ou subterfúgio) é fundamental ao ofício, sacro-ofício ou sacrificio literário. Mais que uma carta em defesa da Literatura procurei entender suas belas palavras como um alerta aos escritores, sejam os neófitos, seja os veteranos, consagrados, reconhecidos ou anônimos...a todos que labutam diariamente com a palavra e delas se alimentam,,mais espiritual do que materialmente. Alerta, no sentido de que todos devemos
caminhar em direção à solidariedade, à comunhão e à comunicação, sem cair na armadilha da globalização, no fetichismo da tecnologia e no isolamento egoísta e consumista propagado pelo neo-libralismo.
Desculpe-me se não entendi o que escreveu como devia, mas como leitor, limitado sob muitos aspectos, não posso ir além do que sou capaz rss..
Bartolomeu, li e repassei sua carta para compartilhar suas iéias e ideais com pessoas que sei interessadas e Literatura/leitura e com os destinos e desatinos brasileiros.Confesso que ,desde que tive a honra de trabalhar sob sua orientação na Fundação Clovis Salgado –Palácio das Artes, quando passei a conheê-lo de mais perto, tenho procurado aprender com cada linha que você escreve. É um privilégio ter amigos de seu porte e humildade.
De minha parte, coloco-me à sua disposição para o que eu puder contribuir ,mais diretamente para que este movimento ganhe força e seja vitorioso.
Carinhosamente,
João

de pássaro
e tigre
de cisne
e arco íris
o poema se nulti faz
no ar
desaparece

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009



Reflexão

há mais de dois mil anos
o Natal se repete
repleto de luzes e enganos
a mesma cena diária
a mesma fila de indigntes
a mesma festa literária
dita de modos diferentes

debaixo de árvores coloridas
repousam gordos mendigos
objetos de vidro
amigos incultos
inimigos declarados
senhores falidos
senhoras faladas
mulheres de luto
cauxas e latas
anjos de pelúcia
filhos descontentes
sonhos perdidos
livros não lidos
fotos indecentes
o planeta ferido
animais doentes
ovelhas e burros
lobos e serpentes

os dias se evaporam
vazios
mortos
violentos
tudo em tudo se reflete
tudo se embrulha
de confeitos e confetes
a estampa de luxo
o estampido do buxo
o burrinho de argila
o menino Jesus
seu pai velhinho
sua mãe tranqüila
com o mesmo papel de presente

um moleque de rua nasce a meia noite
sob o acoite do pai
encharcado de aguardente
sob os olhos da estrela guia
o galo eletrônico
entoa hinos natalinos
com rock sinos pagodes e axés
a chuva cai impenitente
Deus chora
o sino toca
o carro passa
o boi passa
o tempo avisa
o trenó voa
a sirene apita
todo ano se repete o sacrifico divino
indefinidamente

a vida inútil nuvem
cego ritual de sempre
segue seu calendário urgente

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009


universal
para todos que falo
para todos os lugares
todos os tempos
de alegria ou de sombras
falo de palavra livre
de vento no deserto
palavras de águas amazônicas
de aves sem pouso
cidades mortas
animais em extinção

assim são minhas palavras em ruínas
desmedidas e musicais
de pedra em repouso
mesmo quando as montanhas
de abusos e absurdos
se desabam em nuvens de silêncio e de terror
e as geleiras se derretem
contra a ignorância
a ira e a arrogância dos homens sem pares

falo de fala amável e necessária
do que me é dado ver e sentir
do que me é dado sofrer e sorrir
falo do que de humano existe
em todos os homens
de todos os tempos e lugares
para que vida se cumpra
e floresça em sua plenitude
no coração da humanidade

quem tem ouvidos que ouça
o poema da alegria
da dor da arte universal
de minha parte esqueço o som vazio
a sinfonia de minha própria boca