quarta-feira, 31 de dezembro de 2008



a sete chaves me fecho
a sete quedas me lavo
a sete laços me prendo
a sete nomes me xingo
a sete copos me bebo
a sete selos me calo
a sete livros me leio
a sete letras me falo
a sete casas me abrigo
a sete leitos me durmo
a sete facas me mato
a sete beijos me rendo
a sete mortes me aceito
a sete abraços me solto
a sete cartas me jogo
a sete vozes me vingo
a sete ventos me deixo
a sete anos me espero
a sete chagas meu peito
a sete velas me apago
a sete versos me levo
a sete portas me abro
a sete potros me pulo
a sete pontes me ligo
a sete amores me apego
a se estradas me perco
a sete mares me entrego
a pedra sete em resumo
a sete dentes me quebro
porém a sete moedas
a sete máscaras de ferro
a estas nunca me cedo
a estas nunca me vendo

espero o Ano Novo
como quem espera
no espelho áspero do tempo
um novo rosto
como quem espera
renascer do seu passado
um futuro diferente
o que restou do ser amado
mo mesmo velho rosto sorridente
não freqüento nenhuma escola poética
nem por isso sou analfabeto
sou livre
adverso
percussivo
signo animal perplexo


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008




ah! o espírito de Minas!
o que pela manha me visita
esta poesia sem corpo
sem consideração pelo que vivo e sofro
essa escrituração sem fim
no chão
na areia
no lodo
no lado oposto do que vejo
do que por mim aprendi
às soltas pelas veredas
esse cavalo doido
sem rédeas
sem pasto
sem paragem
assa paisagem semi-morta
esse cartão postal
debaixo de minha aporta
esta dissimulada desconsideração
pela vida
esta neurastênica afetação
à moda inglesa
essa herança de letras
de escrituras amareladas no baú
de retratos e retretas
esse sabor de requeijão
esse cheiro de café
esse repertório de rezas
esse cemitério de ócio
esta fingida desconfiança
do óbvio
da faina da mídia
pelo que não domina
pelo que por invencionices da alma
no coração se insinua
esta sutil alegria
com o infortúnio dos parentes
com a tristeza alheia
esta ambição
esta fome de ouro
de escravo e gado
esse pendor pela inveja
pela sediçao
essa insaciável vocação
para a acumulação de renda
de terra e tédio
esse discreto ascetismo da razão
essa faina sem trégua
pela posse
pela glória de deus
pela força da lei
pelo demo
pelo que hei-de
pelo que desconheço
pelo que não tenho
pelo que não temo
essa colheita cotidiana de ojeriza
pelo que não sucede
esse gostinho soberbo
pelo pódio
esta velada necessidade de sonhar
de proclamar o silêncio
de respirar a honra
de proteger o sexo das nuvens
esta hipocrisia
essa infâmia em família
essa homilia de queixas
essa humilhação noturna

essa porteira fechada
esse medo do Inferno
este céu de chumbo
entre montanhas mutiladas
essa mutilações invisíveis
esse pendor sem cura
pelo poder
esse gosto pela arte da traição
pelas obras sacras
pelo sacrifício
pelo sacrilégio
pelo sacramento
pelo tiro nas costas
pela sedução barata
pelo casamento indissolúvel
pela comunhão de bens
pelo prazer profano de ser mineiro
pela profanação dos túmulos
dos oratórios nos museus
dos oráculos às escondias
esse anjo barroco
esse oco de mundo
essa donzela de branco
esse túmulo visceral
esse mal sem remédio
esse mal entendido
esses contornos ilegíveis
entre a honra e o crime
esse auto-elogio sem pejo
entre a nota promissória
e o cheque sem fundo
essa sina sem volta
de se ter nascido entre serras
de vagar por Minas
feito cachorro sem dono
de se escapar pelas gretas
esa identidade às avessas
esse sono de pedra
essa mineiridade insuspeita
o que de modo essencial
move á fé a face o disfarce
o montanhoso orgulho de ferro

? seria isso Poeta o espírito de Minas!
ou signo mais mineral
renasce no abismo sob nossos pés
cansados de descer e subir ladeiras
de esculpir palavras de lapidar a pedra?

? seria isso Poeta o espírito de Minas!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008



as casas

procura em vão
quem na cidade procura
no burburinho da rua
na esquina da praça esquiva
alguma sombra antiga de alpendre
algum vestígio de vozes
no ausente casario

pergunta em vão quem pergunta
quem insiste em ver
o invisível
tempo do esquecimento

criaram asas as casas
com suas largas janelas
voaram delas as almas
os vutos
as aves
os jovens e donzelas
ou só de vazio se arquiteta
o lote vago
o terreno baldio
evaoraram-se os corpos
o choro das crianças
o rumor amoroso dos leitos

os bens de família
os desejos rarefeitos
a ostentação secular
dos nomes
dos móveis de jacarandá

para onde foram as casas
de ares nobres e solenes
a casa do João Jacinto
do Antônio Barbeiro
do Seu Rubens Frias
do seu Edson Fonseca
e tantas outras residências
de obscuro silêncio

procura em vão a liberdade
quem de memória abstrata
procura entre os escombros
da história
entre os dentes da engrenagem agônica
traços de pedra da cidade ausente





tudo em Itabira
respira a Drummond
a ruína do Pico do Cauê
sob a neblina de néon
a pedra no meio caminho
o minério de ferro
os portões de ferro
a estrada de ferro
a areia aurífera nos pulmões
o poeta sozinho
mais que Robson Crusoé
os passos aflitos de José
o menino de bicicleta
o som antigo da cidade
o souvenir nas butiques
a descompostura dos turistas
a memória dos mortos
o museu de eternas palavras
a musculatura da cidade cansada
o culto póstumo ao seu nome
a indiferença dos homens
ao sol de cada manhã

em Itabira tudo respira a Drummond


Poleminias

pois é poesia
não é linha reta
lata vazia
não é mímica
não é questão de fé
é palavra mínima
linguagem irrequieta
contra a falsa lírica
contra a massa falida
transpiração de atleta
é quando o arquiteto
a si mesmo
não se arquiteta
é quando o poeta
com fome
come seus versos
pois conversa afiada
não paga conta
pão com manteiga e café
pois é poesia
não é só manifesto
questão de fé
sentimento ou festa
alimenta-se de Apolo
de Narciso
de inferno e paraíso
tem seu lado de luz
de luta
tem seu lado funesto
é quando sujeito e objeto
se fundem
no adverso concreto
pois é poesia
não é só linha reta
luxo de asceta
é rua torta
lua morta
história incerta
casa viaduto e horta
concreta
engajada
marginal
épica
lírica
provisória
o que importa
a poesia tudo comporta
revolução e utopia
do córtex do cérebro
ao coração
ate que um dia
pela própria poesia
se arrebente de repente
a represa doverso
a veia horta
até que a chuva tudo inunda
encharque o rosto
a cidade
os cabelos da bunda

pois é poesia não é só rima
é duelo com palavra
espada
honra
esgrima
contra a mentira deslavada
contra ironia do riso
contra forma encomendada
contra a verdade absoluta
contra o a coisa
o abjeto abstrato
a ideologia barata
a mercadoria bruta
a heresia literária
contra a vida vagabunda
contra tudo o que não for epifania
contra nada
a nada serve a poesia



reflexão

há mais de dois mil anos
o Natal se repete
repleto de luzes e enganos
a mesma cena diária
a mesma festa literária
dita de modos diferentes

debaixo de árvores coloridas
repousam mendigos
objetos de vidro
senhores falidos
mulheres de luto
anjos de pelúcia
filhos descontentes
sonhos perdidos
livros não lidos
o planeta ferido
animais doentes

os dias se evaporam
vazios
mortos
violentos
tudo em tudo se reflete
tudo se embrulha
a estampa de luxo
o estômago o buxo
o burrinho de argila
o menino Jesus
seu pai velhinho
sua mãe tranqüila
com o mesmo papel de presente

um moleque de rua nasce a meia noite
sob o acoite do pai
sob os olhos da estrela guia
o galo eletrônico entoa hinos natalinos
a chuva cai
Deus chora
o sino toca
o boi passa
o tempo avisa
o trenó voa
a sirene apita

a vida inútil
cego ritual de sempre
segue seu calendário urgente