domingo, 1 de abril de 2007


A favor da Ética
Contra os inimigos do Jornalismo

O Jornalismo vem perdendo prestígio social, encantamento, charme e espaço concreto no meio acadêmico e na mídia. Esta afirmação incisiva poderia ser apenas uma interrogação, uma hipótese de caráter científico, não fossem tão reais e fortes as evidências que, todos os dias, sob diversas formas e meios assaltam, invadem e violentam nossa consciência de profissionais que se querem éticos e cidadãos. A rigor não poderia usar a primeira pessoa, mas como jornalista, sinto-me na obrigação de romper com o pacto de neutralidade do texto para me envolver nesta luta que não deveria ser só dos jornalistas , mas de todos os setores democráticos da sociedade, dos quais o jornalismo tem sido, historicamente, um forte aliado.
A situação é grave. Exige medidas urgentes e integradas através de uma ampla articulação nacional entre entidades de classe, escolas, empresas bem posicionadas, ONGS, sociedade civil, e setores governamentais comprometidos com a construção da justiça social e da democracia no país e no mundo. Desculpe-me o leitor pelo estilo enumerativo, pontual e pouco analítico, mas é que, mesmo aqui, luto contra os limites e a exigüidade de tempo e de espaço.

Em matéria de 13 de macro de 2007, publicada no site O Jornalista, “a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e os 31 Sindicatos de Jornalistas do Brasil estão conclamando a categoria a ampliar a luta em defesa da profissão e denunciar à sociedade os interesses escusos dos grandes grupos de comunicação, principais interessados na desregulamentação da profissão e no fim do requisito do diploma para o exercício do Jornalismo”. “Luta justa, de fundamento constitucional, contra uma questão levantada, tendenciosa e artificialmente, em 2001, pela juíza Karla Rister que, em “única decisão” no meio jurídico brasileiro, foi desfavorável aos jornalistas profissionais”.

O desrespeito e a agressão a jornalistas que procuram exercer a profissão com ética e dignidade ultrapassam o campo legal e atingem níveis de violência inaceitáveis em todas as partes do planeta. De acordo com informações divulgadas pelo Instituto
International News Safety, baseado em Bruxelas,” dois jornalistas foram mortos – semanalmente nos últimos dez anos”. Segundo o documento, 27 colegas foram mortos no Brasil, entre 1996 e 2006. No total, segundo dados do IINS, mil profissionais de imprensa perderam a vida - assassinados a sangue frio -, em todo o mundo na última década.
São dados alarmantes que demonstram a fragilidade das instituições e o flagrante desrespeito a seus princípios, frente a luta concreta de interesses de classe e de grupos hegemônicos nos campos econômico, político , e sócio cultural. A crise da razão mata a sensibilidade e a solidariedade entre os seres humanos e dá lugar à barbárie contemporânea, potencializada em ambiente global e tecnológico. Por absurdo que pareça na sociedade da informação e do conhecimento, princípios constitucionais, estabelecidos em códigos de ética e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como: “Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”(Artigo 3) e “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.( Artigo 19) soam inócuos e anacrônicos.A sociedade contemporânea orgulhosa e prepotente, que alardeia suas conquistas e suas exigências de diálogo, transparência, qualidade de vida e responsabilidade social, não suporta ver reveladas as suas chagas mais aterradoras por uma categoria profissional, cuja essência de sua atividade é a busca da verdade e a defesa dos valores fundamentais do homem. Um profissional que tem como parâmetro de sua atividade um Código de Ética que diz, por exemplo, em seu Art. 7o - O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação. Ou no Art. 9o do mesmo Código de Ética, - É dever do jornalista: a) Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.b) Lutar pela liberdade de pensamento e expressão.
Estratégias

No entanto, o que mais se vê na prática cotidiana da atividade jornalística pelo mundo a fora e, particularmente no Brasil, é a tendência em desvalorizar a profissão e denegrir a imagem dos jornalistas. Das querelas políticas e desmandos regionais e provincianos aos sofisticados sistemas de controle sediados nas metrópoles a tendência tem sido a mesma, sob diferentes formas e estratégias.

Entre estas estratégias está o esvaziamento dos cursos de Comunicação Social de todo o seu conteúdo critico e humanista, nivelando, cada vez mais para baixo, o nível do ensino e de exigência acadêmico-pedagógica. O aumento indiscriminado de escolas , na sua maior parte sem infra-estrura laboratorial, o despreparo intelectual e cultural dos alunos ingressantes aliado a uma visão mercadológica da educação e à errância didático-pedagógica dos chamados professores “itinerantes”, fazem com que, no final de cada semestre, o mercado, competitivo e exigente, receba/exclua uma leva profissionais cada vez mais numerosa e mais despreparada. Soma-se a isto um esforço teórico e político para incluir dissolver o Jornalismo, ignorando toda a história da formação e desenvolvimento da profissão e em nome das novas tecnologias e da pós-modernidade, na vala comum das práticas comunicacionais emergentes. Neste balaio de gato ninguém sabe, ao certo, onde começa o autêntico jornalismo ou o marketing de todas as vertentes. Ninguém sabe julgar pelo comportamento de um incerto tipo profissional e pelos produtos apresentados, se se está fazendo jornalismo ou relações públicas. Isto sem falar da babel criada nas áreas das artes gráficas, fotografia, jornalismo digital e web-designer.

Mal preparados técnica, cultural e politicamente - por professores ( dadores de aula ) carreiristas e igualmente pragmáticos, acríticos, descomprometidos com o processo integral da educação - e inseguros, sem opção nem oportunidade de emprego e de trabalho digno, os novos jornalistas se vêem obrigados, em busca de um lugar ao sol, a fazerem o que “pinta” pela frente, sob qualquer condição. Frustrações pessoais e desvios éticos são os resultados mais comuns deste processo degenerativo que se produz e se reproduz em um círculo vicioso e pernicioso.

Luta concreta

Contra o controle econômico e político dos meios de comunicação, em escala mundial, contra a má qualidade do ensino, contra toda a ordem de agressão e violência que vem sofrendo o Jornalismo e os jornalistas não se pode nem se deve lutar apenas com palavra, a matéria-prima da atividade jornalística. É preciso libertar a própria palavra, a linguagem em toda sua complexidade contemporânea, dos grilhões da dominação, dos preconceitos e da incompetência. Mas a libertação da palavra e da linguagem pressupõe a desalienação dos homens, dos códigos e signos que estruturam e movem suas práticas, suas formas de produção e de trocas simbólicas. Pressupõe, também, uma visão mais ampla e aberta sobre o que seja a realidade educacional e comunicacional, bem como dos princípios e valores que a regem.

Parece claro que a atividade jornalística, hoje mais do que nunca, não tem nada de romântico, nada de lírico nem de charmoso. E luta diária com as palavras e contra quem pensa ser o donatário delas, luta concreta e corporal, o paradigma do jornalista culto, ético, curioso, questionador, respeitável e respeitado, características que moldavam seu perfil e lhe rendiam prestígio profissional, político e social, estão se desmoronando a olhos vistos. Enquanto o Jornalismo vai deixando de ser uma área específica do conhecimento, para se dissolver no caldeirão fervente da mídia, o jornalista, em numero cada vez maior, vai perdendo as referências históricas, a memória de sua profissão. Isolados pelo individualismo e desarticulados em termos profissionais, rompem-se, facilmente, os vínculos que deveriam unir a categoria e, colegas de profissão, solidários e combativos, vêem-se transformados pela falta de consciência profissional e pela nem tão invisível máquina do poder, em competidores cruéis e irredutíveis. Um jogo onde vale tudo que sirva para alavancar o sucesso profissional ou simplesmente garantir um emprego muitas vezes medíocre e mal remunerado. Naturalmente, cada um destes aspectos levantados merece maior aprofundamento, devido à sua complexidade, mas no limite deste espaço nasce pelo menos uma certeza: é preciso lutarmos todos, a favor da ética e contra os inimigos reais e virtuais do jornalismo.

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