quarta-feira, 30 de agosto de 2006



não o homem
o seu santo nome em vão
a palavra
o alfabeto inscrito em sombras
sobre os ombros do universo

terça-feira, 29 de agosto de 2006


raro é o pássaro a escritura corporal
mais ágil e firme o lápis que rabisca
ara por instinto a carne o terreno baldio
de corte vertical a síntese a cintura
o veludo a vista por fora da moldura fisga
o dedo os olhos da enguia insiste na procura
busca no escuro os lábios a volúpia
livre labirinto de espumas
o mar mais fundo se agita e geme
e todo se estica e treme
por dentro o peixe o orbe atemporal momento
no ponto exato da ogiva explode chama
quando em ondas e urros a urbe iluminada
de macio silencio se inunda após o vento
tempestade de sossego abriga

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

em si sendo efígie
a poesia me escapa
me provoca
me chama para a briga

e reina e ruge
e fere e fulge
me pega a tapas
não se rende à rede

e após a luta
da palavra esgrima
a poesia se declara
avessa à rima
cavalga a sede

flor e cactos
a poesia nua
continua viva
no fulgor do enigma

liberdade

liberdade nasce de parede branca
de grade azul
no cosmos
da pele do peso do corpo
inábil para o salto
a liberdade se faz de lua cheia
de luz reclusa
nenhuma constelação jamais se apaga
após chuvas de silêncio
ao norte não há chaves
nem portas
a palavra liberdade
não se abre aos socos
morte maior liberdade se conquista
namorada absoluta só por amor desaba

domingo, 27 de agosto de 2006



a Itabira do poeta
resiste ao tempo eterno da poesia
o casarão de janelas azuis
revela o dia
entre a névoa e a lembrança
entre a prece e a hipocrisia
tudo que poderia ter sido
e que foi
ao findar do inverno
a passo lento
de boi-tempo
a lerdeza mineira
o falso encantamento da tristeza
o lirismo mórbido da burguesia
a mulher de sombrinha preta
de vestido longo
com ares de princesa
a fumaça escura do trem-de-ferro
rumo a Vitória
pela graça do Espírito Santo
o minério que não há mais
as minas que nunca houve
suas guerras gerais
as brigas em família
aa falência
as arengas
os avais
suas abstinências
dominicais
o sacro-ofício da poesia
a ingerência do padre
a Itabira do Poeta
há vinte anos
jamais
resiste ao tempo efêmero da travessia
a avenida de tráfego ofegante
o elefante de quatro asas
a mitologia das letras
o colégio das freiras
as colegiais de pernas roliças
o Pico do Cauê de corpo desfigurado
a paisagem lavrada de Itabira
migra para o Rio de Janeiro
vive em um copo de louça
sobre a mesa do poeta
a moça de olhos de pássaro
da pele da cor de doce de leite
a poesia no pretérito perfeito
a desordem gauche
das coisas absurdas
abstratas
das flores roxas à beira da estrada
o absoluto abismo de MInas
Itabira
não é mais um retrato na parede
é sede e cinismo
surda obediência à tirania do tempo
sua matéria-prima
bruma de poeira e vento
friagem na espinha
vertigem no ventre
de quem por onde Drummond
se descaminha
inseto raro
cava escava escavaca
sua sofre
escorre sobre si
em sete faces se desdobra
leito sem rio
verso onipresente
voz sem rima
vida sem graça
urbe urgente
liga de ferro e aço
véu de nuvens
paisagem transparente
passo a passo vaga em permanente ausência

sexta-feira, 25 de agosto de 2006



alguns me querem lírico
outros me querem tísico

alguns me querem forte
outros me querem cínico

alguns me querem rico
outros me querem mínimo

alguns me querem cômico
outros me querem em coma

alguns me querem falso
outros me querem fixo

alguns me querem leve
outros me querem frio

alguns me querem medo
outros me querem mito

alguns querem que eu parta
outros querem que eu fique

alguns me querem mártir
outros apenas morto

ninguém se importa
com meu preparo físico

ninguém se importa
se sou feliz ou triste

ninguém se importa
se sofro reumatismo

de espinhela caída
de “ leer” artrose ou bronquite

se uso droga pesada ou leve
ou se a tudo isto resisto

ninguém se importa
se a mula é manca
se o cão é doido
se o galo é cego
se o rio é seco
se a vida é breve

poucos perdem tempo
com meus versos duros
com meus versos curtos
com meus versos túmidos
com meus versos graves

aos adoradores de bezerro de pedra
aos deglutidores de aço e ferro

aos devoradores de letras às cegas
aos admiradores do reino em desterro

aos agrimensores da métrica da miséria
aos defensores da gleba alheia

aos inimigos a lei
aos amigos do rei
ao rei
a estes
todas as batatas podres

nem vencedores nem vencidos
nem traidores nem proscritos

poesia se faz
em redes de sentidos

com detritos
não com redes de intrigas

poesia não se conforma
com a tampa do caixão

por mais chique seja sua alça
o vidrilho o ouro falso-florão

alguns me querem tímido
outros me querem túmulo

alguns me querem corvo
outros povão

alguns me querem cívico
outros apenas servil

alguns me querem sol
outros solidão

alguns me querem macro
outros me querem micro de circo

alguns me querem autêntico
outros otário
ninguém aceita de fato
meu contra-cheque literário

aos amigos o que hei-de
senão versos
senão valsas
senão apertos de mão
em tempos de vacas magras
em noites de lua cheia

à poesia
basta o poema de cada refeição
o que revela em prato limpo
o lado podre-bom da maçã

poeta não é sapo
não é raro

poema é lâmina
não goma de mascar

poema é raio
não é rã

não é deus
nem satã

não fica de quatro
por isto inventa
o salto
reescreve a vida a cada manhã

sábado, 19 de agosto de 2006

não digo
não diga mais a palavra amor
de banal entonação e dissonâncias
verbo embalsamado
gesto inconcluso
artigo de luxo em liquidação
nas lojas de conveniência
sem desconto sem perdão
entre mercadorias baratas
sem marcasem data de validade
ofertas de ocasião
no dia das mães
dos pais
da pátria

dia dos namorados
no dia de finados
de todos os santos e demônios
por qualquer ou sem razão
na sempre ascendente inflação dos sonhos

à falta de melhor motivode melhor juízo ou sono
invente palavra mais original
de perfume inédito
de silêncio mais curvo
de som de rio no escuro em leito de areia branca
outro idioma talvez
solene e rude
palavra mais quente
alfabeto sem nome

não se ria
se por acaso o amor chama
rnão rime amor com dor
com flores de qualquer espécie ou conotação
não murmure
não grite
não recite
não lamente
não cale
não cante
não resista ao falso enigma
sol de pedra no poente
sobre a ponte da imaginação

amar
amor não é chave para todas a portas
remédio para nenhum mal
droga para todas as paixões

presente para todos os momentos
cofre de desejo
enigma
desencanto e esquecimento

não se importe tanto com tanto alumbramento
não chore a morte da palavra amor

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Transversias V

Minas e seus escravos
Minas e suas excumunhões

Minas e seus alinhavos
Minas e suas aliciações

Minas e suas alianças
Minas e suas alienações

Minas e suas anuências
Minas e suas aliterações

Minas e suas bandas
Minas e suas bandalheiras

Minas e suas bandeiras
Minas e seus bandolins

Minas além das Gerais
Minas aquém de si mesma

aqui jaz minas
nos limites dos quintais

aqui jaz Minas
e suas minerações

aqui jaz minas
e suas indagações

aqui jaz Minas
e suas indiciações

aqui jaz Minas
e suas nomeações

aqui jaz minas
e suas deleções

aqui jaz Minas
e suas dicções

aqui jaz Minas
e suas lamentações

aqui jaz Minas
e suas procurações

aqui jaz Minas
e suas contradições

minas e suas posturas
minas e suas provocações

minas e suas figuras
e suas configurações

Minas e suas promessas
Minas e suas provações

Minas e suas escrituras
Minas e suas escriturações

Minas e seus escritórios
Minas e suas reconciliações

Minas é onde está
sstado de pura decantação

Minas é onde nunca esteve
nem aqui nem lá - em desterro

Minas mesmo é o outro lado
foge ao alcance das mãos

Minas mesmo o outro ladra
foge das mãos do ladrão

a palavra atrás da porta
a palmeira a palmatória

a palavra noite morta
a nota nada promissória

a palavra em código morse
vaga pela praça à fora

tudo a peso de ouro
a pedra o ferro os florões

tudo a peso de outros
a torre o bispo os peões

o barco sob a névoa
suas degenerações

Minas são vastas serranias
e devastações
arraiais
imensidões vazias
dessertões
há vilas vagas
burgos insones
freguesias
cidades
sobrados soberbos
soturnos subúrbios
e porões

há morros e montes
há sempre um belo horizonte

há marcos e arco-íris
severas demarcações

há pouca água nos rios
muita mágoa sob a ponte

sirenes e cincerros
serras e cercanias


se não há mar não há
também porque deveria

há mais do que se vê
há mais do que se via

há mais do que se lê
bem mais do que se ouvia

não há só vilas em Minas
há víboras à revelia

não há só vilas em Minas
há capital e capitanias

se há vilas há vilas
há muito mais à vista

se há vilas há vícios
há muito mais valia

se há vilas há vínculos
há muito mais compadrio

se há vilas há vaias
por nadas se aviltaria

se há Minas há muitas
muitas diversas marias

valeria mais amar
amargas minas

valeria mais o mar
amáveis minas

valeria mais o marco
de antes das sesmarias

Minas e suas amarras
Minas e suas armadilhas

Minas e suas armas
Minas e suas auras

Minas e suas arenas
Minas e suas armações

Minas a margem
ou mais interior

pouco decoro
muita decoração

muito choro
pouco devotamento

muito dilúvio político
pouco ouro de aluvião

se não há mar não há
também que mar seria

se não há mar melhor
mudar o seu movimento

mudar de Minas o norte
o rumo mesmo do vento

mudar de Minas o marketing
o prumo do monumento

mudar de Minas o verbo
independente do tempo

mudar de Minas o verso
indiferente ao aviso

mudar de Minas o acesso
independente da via

independente do mote
do uivo de suas matilhas

independente das mortes
que rondam por suas vilas

independente das vagas
independente dos links

independente do porte
da pose da hierarquia

independente de mim
independente de Minas

seja qual for o suporte
o mar que a noite vigia

seja qual for a paisagem
da virtual geografia

seja qual for o poeta
seja qual for o requinte

seja qual for o libelo
seja qual for o calibre

seja qual for a patente
seja qual for o limite

seja qual for a suspeita
seja qual for o palpite

seja qual for o profeta
seja qual for a magia

seja qual for o projétil
seja qual a transversia

nadar de Minas a Minas
independente das ilhas

nadar de Minas a Minas
independente das trilhas

nadar de Minas a Minas
independente do mar

nadar do mar o rumor
amar de Minas toda a poesia
Transversias IV

Minas em si mesma é única
sobre vários prismas e entalhes

Minas é isto
em outras entonações

são muitos pontos de vista
são muitas interrogações

poucas glórias
muitas condecorações

muita oratória
pouca confraternização
muitos oratórios
pouca devoção

poucas notícias
muitas redações

muita gramática
muita cautela

muita análise sintática
muita seda sintética

muita retórica
pouca realização

muita paisagem degredada
pouca síntese na janela

Minas não é isto nem aquilo
nem por isto é mais tranquila

Minas é isto e aquilo
é muito mais em sigilo

Minas é antes da lapela
antes flor fosse mais bela

Minas é antes da legenda
lírica por omissão

muita fazenda
e pouca renda

Minas é antes da emenda
é minas por compulsão

Minas é antes da moenda
do engenho da compaixão

muita indiferença
muita indefinição

muitas referências
muitas malquerências

muita delicadeza no trato
muita frieza nas mãos

muita sutileza no contrato
muita rigidez na execução

antes de Minas a lei
antes de Minas o Rei

Minas
a jazida
o jazigo
o jargão
o jeito mineiro
de remediar o perigo
de reverenciar o umbigo
de referver a panela
de remexer a ferida
de remover o inimigo
de ir tocando a vida
de janeiro a janeiro
de maneira indefinida
Minas
a draga
a droga
o dragão
o drama em família
a adoração pública
a encenação
o jeito mineiro
de contornar a cidade
de contornar as dívidas
de confabular às escuras
de janeiro a janeiro
de contabilizar a usura
de elogiar a si mesmo
de mineiro para mineiro

ser mineiro nem sempre é chic
caberá Mins em um chip
Transversias III

Minas são várias aporias
várias verdades e veredas

novos programas e versões
velhas velhacarias

muito texto
pouca contestação

muitas teses pouca consideração
muita festa pouca alegoria

muito governo pouca administração
muito circo e pouco pão

pouco afeto
muita afetação

minas é isto
sim e não

muita inveja pouca invenção
muita injúria muito mais injunção

Minas é mais ou menos
conforme a indecisão

Minas é mais ou menos
conforme seja o leilão

Minas é mais ou menos
conforme seja a lesão

Minas é mais ou menos
conforme a urgência

Minas é mais ou menos
conforme a ingerência

Minas é mais ou menos
conforme a gestação

é mais ou menos Minas
conforme a geração
conforme a geração de desemprego
conforme o desespero

conforme o desamparo
conforme o desagravo

Minas é isto
são e não são

Minas é isto
são só carvão

Minas é isto
são o que são

muita corte
pouca cortesia

muitos poeta
pouca poesia

poucos partidos
muitas igrejinhas

muita timidez
muita intimidação

muitos pretextos
muita pretensão

muitos revezes
a revisão necessária

muitos revertérios
o reverso da medalha
minas às vezes
a si mesma se retalha

minas às vezes
a si mesma se enxovalha

às vezes Minas se esconde
sob a mancha da toalha
Transversias II

Minas são várias avarias
várias conveniências
vários destinos e dinastias
várias desinências
vários donatários
várias conotações
muita pedra sob os pés
no meio do descaminho
muitos tropeços
muitas conjugações de interesse

muitos vales e vozes
muitas rezas veladas
muito comício no velório
muitas veleidades e arrelias

muitas cruzes e encruzilhadas
muitas emboscadas

muitas vinganças e vertigens
muitas vigas danificadas

muitas senhoras contidas
muitos senhores obesos

muitos senhores contritos
muitas senhoras com sede

muitos pendores cívicos
muitos pensadores míopes

muitas penhoras perdidas
muitas pendengas a esmo

muitos rumores crônicos
muitos penhascos e aterros

muito leite e pouco dinheiro
muito enfeite e pouco cesto

muitos doutores fora da lei
muita elegância pelo avesso

muita eloquência fora de hora
poucas metas e muitos pleonasmos

muita política e pouco acerto
pouca boiada e muito esterco

minas é isto sem exagero
pouco fogo e muito acero

muito porco e pouco peso
muito toucinho e pouco torresmo

muito riso e pouco siso
muito cinismo sob a cinza
muitas vias de excesso
muita ordem e pouco progresso

muita liberdade tardia
muitas inaugurações às pressas

muita história pouco processo
muito excesso na liturgia

poucos heróis muita profecia
pouco latim muita latomia

muitos eleitores poucos leitores
muitas letras poucas escriturações

muitas garagens poucas bibliotecas
muitas trasnvessias e traições

muitas estradas e extradições
muitas estrelas e poucas constelações

muito boato pouca comunicação
muitos feitores e poucas benfeitorias

muita disputa pelo voto
muita apatia pelo povo

muita escuta e pouca fala
pouca empatia com o novo

muita empáfia quando diz
quando a platéia pede bis

muitas frases e sentidos
muita metáfora vazia

muita musculatura
pouca academia

muitas reviravoltas
poucas revoluções

Transversias I

Minas
não há só vilas em Minas
há outros códigos e cânones
outros nomes e signos
outros signatários e insídias
outros assombros

há outros hábitos e sinos
outros sítios e álibis
outros sons
outras situações
outras insônias
e insolvências

outros labirintos
outros latrocínios
outros latidos
outros latifúndios de ódio
outras latitudes de ócio
outras edificações

há muitos negócios em Minas
muitas negociatas às escondidas
muitas negociações falidas
muitos juros perjúrios e prejuízos
muita perversidade de mãos limpas

há outros muros e mitos
outros arrimos de família
outros mimos e violações
outras vidas assimétricas
outras miras mídias e admirações

há muitas grutas e gritos
muitos apelos e apitos
muitos apelidos esquisitos
muitas urnas ao ar livre
muito apanágio e pouco espírito

muitos cemitérios abandonados
muito minério e pouco imposto

muita imposição por quase nada
muito sorriso para pouco rosto

muita fechadura enferrujada
muita pintura na fachada

muita descrição
e pouco desfecho

há outros mistérios em Minas
outras rixas e rimas

muito viés
outras evidências e vilões

quarta-feira, 16 de agosto de 2006



urbanema

o urubu regurgita sua úlcera
seu último urbanema
paira no ar
pousa para ver o engarrafamento
o arsenal de mesmice
na Avenida Afonso Pena
o enfado da multidão
da mineirice amena
voa de surto para a Serra do Curral
para o sertão de acrílico
ravinra de nuvens
boiada à venda
carniça anêmica

migra de raiva para Ipanema
locupleta a saga
a cena
sobrevoa às cegas
a Praça da Liberdade
caga na cabeça do político ausente

mira de cisma o polêmico monumento de Tiradentes

segunda-feira, 14 de agosto de 2006



Proibições da Liberdade

A força semântica e histórica de certas palavras sempre me chamou a atenção. Liberdade é uma delas. Não sei de exato, quando a vi ou a ouvi pela primeira vez. Mas sou capaz de descrever, sem exageros, o brilho de meus olhos e a alegria que invadiu meu coração ao me dar conta dela. Sua forma aberta e clara, sua beleza gráfica e sonora, escondiam tudo que alguém podia desejar. Pronunciá-la era quase um ritual. Privilégio de quem se esforçava, cotidianamente, para dar sentido à vida individual e coletiva.

Às vezes, ocorria-me ficar longo tempo olhando seus olhos grandes na página branca do livro. Até hoje não entendi bem o que se passava. O certo é que esta palavra possuía um brilho particular. Era a mais fulgurante de todo aquela multidão de sinais, dispostos segundo uma ordem predeterminda ao longo do texto enorme e entediante. Destacava-se. Absorvia-me. Carregava meus sentidos no seu dorso para os lugares mais longíquos e altos da imaginação. Era realmente uma palavra rara, no dizer e no viver, a Liberdade.

À medida em que o tempo foi passando, esta palavra começou a aparecer com mais freqüência. Agora, já era possível vê-la nos muros da cidade, nos pára-choques dos caminhões, nas músicas de gosto duvidoso, no comércio-jeans. Quanto mais escassa ficava a liberdade política nas páginas anti-históricas do país, mais esta palavra aparecia estampada, estilizada pela moda, no peito, na indumentária juvenil.

Banalizara-se, de vez, a liberdade. De tal forma que, pouco ou nada, significava sua presença, dita, escrita, ou, aos quatro ventos, proclamada em alto e bom som. Esvaziada de seu significado original, ali estava a“liberdade” na vala comum das pobres e mortais palavras humanas. Sem vida. Sem humanidade.

E foi assim que, entre nós, brasileiros desse fim de século, “liberdade virou prisão”. Artifício retórico. Ornato falso de discursos descomprometidos, alienantes e manipuladores.

O quadro de degradação e corrupção da palavra - desta palavra particularmente - é tão grave que, não seria exagero exigir uma CPI da Liberdade. Para isso seria necessário remover as traças dos arquivos públicos, alterar a rotina das salas dos museus, romper o sossego das bibliotecas bem comportadas, vasculhar jornais e livros didáticos. Nem mesmo as cartas dos amantes mereceriam sigilo no trabalho para restaurar a paixão pela liberdade.

Como se isto não bastasse, será necessário também remover os detritos, curar as erosões, eliminar os dejetos urbanos que comodamente se alojam no corpo desse vocábulo.

Tornam-se, então, cada vez mais urgentes, algumas proibições, que garantem o uso livre e transparente da palavra liberdade. Explicando melhor, essas recomendações valeriam, pelo menos, no território mineiro, onde a liberdade nasceu de terra fértil, de lastro aurífero autêntico. Onde, depois esquartejada, cresceu e se multiplicou com maior vigor e determinação histórica. Liberdade, palavra sem mácula, água cristalina, diamante em cachoeiras de sentidos. Altissonantes e infinitos.

Sendo assim, pelo menos em Minas, ficaria expressamente proibido o uso da palavra Liberdade nos discursos políticos, nos comícios públicos, no plenário e nas assembléias, nas defesas de teses utilitárias, nas campanhas publicitárias e salariais, nos sermões dominicais, nos tratados de marketing, na verbosa e discursiva poesia ufanista e panfletária. Que não se use em vão este santo nome, nem mesmo nas ingênuas declarações amorosas.

Parágrafo único: fica vedada seu uso , por mais dois séculos, até que, em repouso, decante no fundo destes vales e montanhas, no leito dos rios, das represas e lagos, na solidão das veredas, toda imundície, toda leviandade, toda malidicência, toda perversidade que, ao longo do tempo, foram intencionalmente ou não agregadas em seu corpo.

Talvez, assim, após longa espera, esta palavra ressurja da boca de fogo do Alferes, com força cósmica e criativa. Palavra límpida, depurada. Encantada. Decantada. E com asas coloridas cubra, novamente, o mapa de Minas e anuncie, com seu canto de guerra ou de paz, novas manhãs mais claras e promissoras. Liberdade, palavra sem mácula, que no terceiro milênio, seja mais livre. Encarnada pelo sangue da vida, maior poema.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

















A saga Sagarana
Sessenta anos depois

“O Sertão é o mundo” - “O Sertão está em toda a parte. Está essencialmente em Sagarana, do médico, embaixador, o escritor mineiro de Cordisburgo, João Guimarães Rosa, publicado em 1946”.
Etimologicamente, a palavra sagarana é composta, pois dos termos. Saga que tem raiz germânica e significa narrativa em prosa, históricas e/ ou lendárias, ricas em incidentes e rana, sufixo tupi que quer dizer à semelhança de ao modo de. Saga, também, de acordo com o dicionário Houaiss, é o nome dado pelos romenos às bruxas e feiticeiro.
Polêmico desde o seu surgimento, Sagarana é, portanto, um conjunto de sagas - histórias épicas, folclóricas, de amor, mistério e aventura no qual o autor universaliza o sertão, mistura o popular e o erudito. São nove contos-novelas ou sagas-narrativas onde o real e o sobrenatural se cruzam. Em cada conto, várias mini-narrativas se entrelaçam à narrativa principal, fornecendo pistas ambíguas sobre o desenlace do conflito central, retardando e, assim, aumentando o suspense. Fazem parte de Sagarana s histórias O Burrinho Pedrês ,À volta do marido pródigo, Sarapalha ,Duelo Minha Gente , São Marcos ,Corpo Fechado, Conversa de bois e A hora e a vez de Augusto Matraga.
Mesmo depois de seis décadas de seu lançamento Sagarana continua a despertarem os interesses dos antigos e novos leitores, apaixonados pelas grandes narrativas mundiais. Não por a caso, o interesse por Sagarana e por toda a obra de Guimarães Rosa cresce com o passar do tempo. Não por ação, em Minas, experiência literária e tempo se transformam em vivencia e memória. Memória individual e coletiva que dá vida e eternidade a um universo próprio, particularíssimo. Universo líquido, mineral povoado de aves, plantas, bichos, almas do outro mundo. Universo ao mesmo tempo mágico e trágico. Épico e estético. É que Minas Gerais é território em constante expansão através da cultura e da arte, da forma imaginaste de ver e ser cúmplice da paisagem mística e bruta simultaneamente. Minas vai a além de Minas. Muito mais Gerais do que os campos e cerrados que aos olhos do observador desatento se estendem. Enganam-se quem procura somente Minas na obra de Rosa. Esta é rosa de pétalas variadas, labirinto de cores e perfumes sem nomes. Daí que obras como Sagarana são de leito obrigatórias, pois não só não envelhecem com o tempo, mas com ele se transformam e permanecem. Amadurecem de sentidos novos à medida que o leitor amadurece com o rigor do tempo.
É que, como diz Sônia Van Dijck, uma obra literária é sempre uma construção de linguagem e, no caso de Sagarana, Guimarães Rosa alterou o texto, sempre em busca de uma otimização, que só ele podia saber se havia alcançado ou não. Será que alcançou?
É que, segundo o próprio JGR, - Jornal do Brasil, 11 jan. 1959 -.
”Fazer um livro é como bordar um tapete: cada um que vê acha uma coisa. Se o leitor achou isso, é porque ali está: o leitor tem sempre razão”. Está sempre renovado pela curiosidade e pelo olhar caminhante e cambiante do ledor de me em Rosas. Aí está um bom motivo para as movimentar a escolas e faculdades de Letras e de Jornalismo, em tempo de muita musculação, muita agitação mental e de pouca leitura: revista da obra de Rosas, cada vez mais nova, a media e que o tempo passa. O tempo passa? Para a literatura, pergunta-se? E não venha me dizer que se trata de livro difícil. Difíceis são a burrice programada pela mídia, mediocridade e a preguiça intelectual, marcas evidentes da cultura contemporânea.
Mas Sagarana escreveu o crítico Antônio Cândido, em maio a tanta polêmica “não vale apenas na medida em que nos traz um certo sabor regional, mas na medida em que constrói um certo sabor regional, isto é, em que transcende a região”.
É pro estas e outras des razões mineiras, que “Ficamos sem saber o que era Joãoe se João existiude se pegar... aí que”UM CHAMADO JOÃO, o de Carlos Drummond de Andrade foge pela janela do livro, evapora-se por encanto. Em plena Noite do Sertão reaparece. Esse tal de João Rosas. Você já conhece? João é de igual o sertão, está por toda à parte!


quinta-feira, 3 de agosto de 2006


o arco-íris ignora a cegueira dos homens
a fúria de sua lida cotidiana
surge por encanto desaparece
sobre o teto das cidades

derrama sua luz inútil
sobre os muros do alfabeto - surda arquitetura

quarta-feira, 2 de agosto de 2006



a palavra pássaro
a casa-carta
a caixa
o embrolho a coisa
o invólucro-envelope
o ovo não detém o vôo

tudo passa
com ou sem caminho
fogo ou fumaça
água de rio
tudo ex-pársaro
Pasargada
pedra-passarinho

hiperpoema

um poema
remete a outro
a outro poema que remete
a outro
a outro poema midiúnico
poema oco
na boca
do microloucomundo


atiro pela janela todos os pensamentos
tudo que possa interferir na essência do mundo
nada há que se modificar
ao árido movimento do sol diário
a leveza das estrelas de nada me serve
a mim me basta a beleza
das coisas sem data
sem adjetivos
sem mediação
a beleza mineral do poema cósmico


atiro pela janela tudo o que tende à eternidade
a pedra imóvel no coração dos homens