domingo, 25 de junho de 2006







A cidade Visível
joão evangelista rodrigues

Fascinantes e devoradoras, as cidades são uma espécie de esfinge universal e contemporânea. Labirinto alucinante e misterioso. De um lado, se oferecem à decifração. De outro, trancam-se em sua fome de tempo e de desejos, a exemplo das conchas. Das nozes. Dos rochedos e sarcofres. Em alguns casos, lembram cenário de teatro de tão artificiais e descartáveis. De concreto restam os cemitérios, os templos, os museus, palácios financeiros e fábricas de ódio, de ócio e desolações. Realidade insólita, solitária , às vezes, além das linhas invisíveis da imaginação.

Certas cidades possuem magia irresistível. Há quem se apaixone por suas formas arrojadas e excessivas só de ouvir seu nome. Cidades iguais e diferentes pelo que negam a seus amantes. Delas, guardam-se mapas, máculas, fotografias e recortes de jornais. Decoram-se monumentos e bairros, avenidas e ruelas. Terrenos baldios e ruínas. Geografias insuspeitas em noite branca.

Tudo se passa como se a cidade se erguesse, láctea imponente. Inscrita no corpo de cal de cada um de seus habitantes. Escriturações calcificadas em silêncio na mente e no coração dos homens. Cidades são manhãs de sol, tardes chuvosas. Madrugadas insones, personagens trancados em si mesmos. Ensimesmagens inesquecíveis. Janelas sobre vazios. Horizontes de cimento, irregulares e curvos.

Infinita em sua idêntica pluralidade, uma cidade sempre escapa ao ardil do verbo, à curiosidade circunstancial das mãos. Escapam sempre, de alguma forma, sob algum aspecto. Ângulos inusitados. Inacessíveis e ardentes em sua procura subterrânea.

O olhar urbano é assaltado, a cada instante, por uma multidão de imagens raras, rarefeitas. Saturado do nada ver, o olhar perde sua perspectiva, sua capacidade de instaurar o novo , de discernir seu real objeto de desejo: a verdadeira cidade, espaço de convivência, de criatividade e exercício da cidadania. Cidade em sentido pleno. Com suas ruas e praças, com seus jardins e insetos luminosos.

Uma cidade, não um circo onde se troca o pão de cada dia por muito suor e pouco alumbramento. Não apenas um círculo de influências, de confluências inconvenientes e convencionais. Menos ainda um circuito elétrico - eletrônico - cibernético, cujo acesso depende de chaves, palavras mágicas, senhas e simulações dos diversos tipos de poder. Poder central, centralizador, ordenador de sentimentos, de sonhos e dessentidos. De uma ordem ética e estética preconceituosas e excludentes. De uma lógica ambígua, permissiva e perversa. Velada e violenta.

O olhar do leitor se deleita, turva-se ante a profusão e a velocidade das imagens translúdicas. Figuras em trânsito. Transitórias. Personagens em transe. Mal emergem do fluxo óbvio das coisas ululantes e já se dissipam. Olhar em tumulto. Estigmatizado pelo excesso, pela vacuidade. Olhar urbano. Em branco. Em bandos. Olhar sem dono. Abandonado ao nada, ao caos.

Gestos igualmente terraplenados, , dragados pelo tempo. Desecologizado. Não olhar de dragão, capaz de ir mais fundo, em lâminas, em sua sede de fogo. Em sua fome de pedras e eucalíptos.. De se erguer de cimento, o sonho, a imagem e semelhança da cidade que não se vê. A que em letras e metáforas se se oferece e se multiplica..

Afinal, para quem sabe olhar, uma rua é letra, por menor que seja o pingo de sangue no mapa do planeta. Uma cidade é mais que seu corpo exposto aos rigores cegos do tempo. Aos seus rumores e manifestações.

A cidade que não se vê, esta, é que resiste entre muros de lamentações e arcos de triunfos com suas ruas e ritmos interioríssimos. Esta, a que se oferece a descobertas, a leituras infinitas.

Cidade inaugural, que se faz de memória a metamorfose, às vésperas do Terceiro Milênio. Signo de esperança e de esquecimento. Única e igual a todas as cidades do mundo.



Do livro, " A Oeste das Letras". Ed.Santa Clara - 1997


a pedra o início da metáfora
a matéria bruta seus derivados
a pedra o sacrifício da forma
a metamorfose brusca da forja
a pedra a visão obrigatória
a moderna úlcera da urbe
a máscara ebúrnea da memória
seu labirinto lúdico seu orgulho
a pedra confissão e abismo
o lado íngreme do futuro
o abutre a fauna a fúria a flora
a pedra o cinismo do muro
a oficina cíclica do lucro
a pedra seu silêncio absoluto
o signo extremo da morte
seu domínio no escuro
a pedra encima do túmulo
a pedra o cisma o tumulto
a pedra em si simulacro
o ponto de equilíbrio do túnel
o designo da palavra seu avesso
o mundo elevado ao cubo
o concreto enigma de tudo a pedra

O sotaque peculiar
da Cozinha Mineira


João Evangelista Rodrigues

Em Minas, a cozinha é mais que o lugar onde fica o fogão. É espaço privilegiado de convivência. De troca de saberes e sabores. É onde se puxa assunto por qualquer dê cá uma palha. Onde tudo se transforma em desculpas um almocinho singelo, uma jantinha de nada. Tudo sempre acompanhado de apetitosos tira-gostos, deliciosas sobre mesa e, é claro, um cafezinho feito na hora. Tudo de ver o fogo animando em labaredas as panelas borbulhantes. Em alguns casos, a linguiça , o toucinho e o milho de pipoca expostos ao tempo em varaais ou arames. E quanto mais velhos e enfumaçados melhores para o sucesso da culinária caseira.

Este gosto pela cozinha. Pelo seu calor de fogão de lenha continua vivo, mesmo na cidade grande. Na grande Belo Horizonte, hoje com ares de metrópole e assanhada pela famigerada modernidade. O certo é que nada neste mundo consegue apagar da lembrança e do coração dos mineiros, mesmo dos que nasceram na Capital, este gostinho especial pelo lugar-cozinha.
Lugar mágico e de complicadas alquimias culinárias. Pois engana-se quem pensa que cozinhar é arte fácil.

Ao contrário, requer conhecimento, tradição, experiência. Tudo isto misturado a um certo prazer e refinamento de paladar. Coisa que nem todo mundo tem. Nem gente abastada, às vezes. É coisa de herança , de berço. Cozinhar é arte. Cultura. Ofício Que se aprende no dia a dia das casas. Forma peculiar de agradamentos e conquistas de simpatia. Até casamento se arranja mais fácil, quem em Minas, sabe os segredos de tal excelente arte. Se você duvida, pergunte os moços e a moças que enfeitam as paisagens das várias Minas. Ou você nunca brincou de casinha com suas primas e irmãs e de saborosos guisados à sombra das árvores escondidas no quintal, bem lá no fundo da horta.

Em Minas, cozinha é espaço consagrado, de encontros e congraçamentos. Onde cheiro e sabor deliciosamente se misturam. Perfumam o ar. Invade as narinas feito igual cheiro de chuva primeira na estrada de terra ou no curral do gado.

E nem é preciso citar o nome das hortaliças e legumes, das folhas de cheiro e das pimentas para aguçar o apetite. Basta lembrar suas formas e cores, as possíveis combinações, os enfeites dos pratos, as diferentes maneiras de se preparar, por exemplo, o populríssimo feijão. A farofa. A paçoca. A pamonha e tantos outros jeitos gostosos de enganar a fome visceral, alojada sabe-se lá ao certo onde. Poruque se a raiva e a fome são coisas do homem , nada mais triste e enraivecedor
dessa terra.

Que comida é mais de se comer com os olhos , isto todos os mineiros de raça sabem. De primeiro são os olhos que passeiam pelas panelas, travessas e bandejas conforme seja o caso e a ocasião. Depois é a boca que se enche d' água. Por fim aquela cosquinha manhosa no fundo estômago e pronto. O olho fica maior que a barriga e adeus regime porque mineiro nenhum que se preze é de ferro. E tudo são desculpas para mais um pedacinho de frango, um pouquinho de caldo sobre o arroz branquinho de doer a vista. Nem é preciso falar no angu, no tutu, na linguiça , no lombo, na couve , na dobradinha. Quem ';e mineiro sabe , conhece, saboreia tudo , mesmo sem comer. Só de pensar com o pensamento viajando interiores antigos e enigmáticos.

Em Minas, a cozinha tem um sentido muito particular . Cheio de carinho, amizade e simpatia. Um lugarzinho aconchegante, de conversas amigas e bem temperadas. Onde a pimenta é colocada no momento certo, no ponto. Onde o cheiro é convite a demorar mais um pouquinho, para esticar a conversa, puxar assuntos os mais diversos com sotaque que vem de longe lá das bandas do interior de Minas. Assuntos inconfidentes, em liberdade, sobre tudos, arte, cultura, lazer, negócios, sonhos e amores.

Ttudo conforme seja, sem tirar nem por, porque amor é força primordial, a que realmente move o mundo e a vida. Ambiente de saboreamentos de palavras e melodias raras. Escolhidas a dedo.

Em Minas, cozinha não é apenas um lugar. Em um cantinho cheio de ternura e encantos, onde o corpo e o espírito se realimentam e buscam apaziguamento necessário para enfrentar e construir o cotidiano. Cozinha é festa, fartura e confraternização. É coisa de se comemorar com aperitivo de primeira , doce de leite, queijo e goiabada cascão. É ou não é?



confessional

nunca fui de mentir
não minto
escrevo com o sol na cara
na tela do micro
sou meio cego
vejo mais do que permite
o olhar domesticado
menos do que almejo
vivo à deriva do sem desejo
não tenho medo da morte
a vida me assusta
a morte é meu adereço
toco o espelho com o dedo
quando acordo
quando penso que acordo a cada
amanhã
verifico se ainda estou vivo
se meu coração expulsa o sangue ruim
se a memória do computador
não se apagou
sempre vou para onde preciso ir
para onde quero raramente vou
de sina herdei a escritura púrpura
figura oculta no submundo da pele
não sei
não invento
não copio estilos
somente escrevo o já proscrito acervo
um cervo cavalga na vidraça
do céu sem nuvens
todos os dias a luta recomeça
peça por peça
do mesmo sem fim quebra-cabeça
dura batalha- palavra ex-tinta
ilha entre águas
e vertentes
entre algas e vertentes
entre agruras e videntes
sei que nenhum caminho leva a Roma
que o rei está em coma
que tudo por aqui Sodoma
acumula insulta afronta
sigo o aroma das flores no cerrado
mais abelha do que homem
não fosse o riso
o comprimento do abdome
rios e córregos me umedecem
somente a poesia me interessa
a que do oeste anda urge decifrar reunir
em lentas leituras
Bueno de Rivera
Adélia Prado
Emilio Moura
a palavra sincera me procura
mais que úlcera
mais que a areia no intestino come
me espera do outro lado do rio
o rio Santana não divide nada
tudo é sem fronteira sem limite
a geografia é invenção desumana
acaba com o tempo o nome se transforma
em mato e pedra a ruína da casa
a escola em asa para a poesia
o gavião de espreita espia
pássaro mais frágil pia
o urubu não foge
nuvem mais alta escolta
se não há remédio para a vida
se aa morte não tem volta
escrevo do que resta o que sinto
o instante me alucina
a lucidez não me doma nem seduz
é instrumento só de desenlouquecer
a conveniência da razão me entristece
ser não sou
estou
stop
let”s golll
não troco farpas nem favores
o poder me ensandece
falar não deveria nem ouvir
sentir somente seguir a sina
do que não se sabe e sente
o que mais a frente me ocorre
acorda pássaros de pedra
manhãs impassíveis

minha sombra entre falsos-signos se evapora

sábado, 24 de junho de 2006







o canavial alimenta-se de homens
alimenta-se de sua alma insone
do sem nome o canavial se alimenta
alimenta-se da fome do homem
da escrita anônima sem fontes
da paisagem branca sem ressonâncias
com suas leiras infinitas
alinhadas reentrâncias
labirintos de escombros

sob céu sem plumas
mais que um cão sem dono
em dia de sol monótono
sob céu sem nuvens sem sombras
canavial aqui é mar macabro
de monstros hediondos
marcado de ventos nortificantes

a paisagem nele tudo de passagem
só assombros são





A DESVENTURA DO PRESIDENTE QUE SE PASSOU POR ATLETA


E DE TANTO CORRER DEMAIS, PERDEU O TREM DA HISTÓRIA









oão Evangelista Rodrigues
Belo Horizonte, setembro de 1992.





I PARTE



















vou contar esta história
para aqueles que virão
pois a vida é transitória
só não passa a emoção
mas muita gente não viu
o que vi na eleição
quando o Brasil coloriu

não vou falar do futuro
pois não faço profecia
meu canto é claro e seguro
me apresento à luz do dia
mas muita gente não viu
o poder da poesia
quando o Brasil coloriu


vou pedir a zabelê
ao tatu e ao quati
mas também peço a você
e a quem não conheci
mas muita gente não viu
do azedo abacaxi
quando o Brasil coloriu

já pedi ao pai-da-mata
à mãe d’água e caipora
a magia da cascata
onde a poesia mora
mas muita gente não viu
a cultura indo embora
quando o Brasil coloriu

das Gerais peço licença
Patativa do Assaré
canto na sua presença
cabra de nome e de fé
mas muita gente não viu
e andou de marcha-à-ré
quando o Brasil coloriu



Bráulio Tavares Tadeu
tudo que é repentista
mesmo até quem não nasceu
já entrou na minha lista
mas muita gente não viu
e dançou fora da pista
quando o Brasil coloriu

peço licença a Xangai
Gonzaga Téo Azevedo
comigo o verso não cai
na tentação do enredo
mas muita gente não viu
o seu doce mais azedo
quando o Brasil coloriu

licença peço a meu pai
a minha mãe afeição
ao Velho Tote aqui vai
a minha admiração
mas muita gente não viu
a morte brotar do chão
quando o Brasil coloriu

eu assisti fui prá rua
gritei briguei fiz pirraça
pintei a cara da lua
pintei os muros da praça
mas muita gente não viu
o veneno dessa taça
quando o Brasil coloriu












II PARTE


todo o céu ficou escuro
o oceano bravio
o presente e o futuro
tudo de ponta a pavio
todo poeta sentiu
o calor ficando frio
quando o Brasil coloriu

o Amazonas já secou
mar de Minas não vai bem
a Pampulha evaporou
falta chuva em Belém
mas muita gente não viu
o Farol de Santarém
quando o Brasil coloriu

Amapá caiu do mapa
Paraná se despencou
Mato Grosso não tem mata
a Bahia se alagou
mas muita gente não viu
o que a peneira tapou
quando o Brasil coloriu

Pantanal se espantou
o Planalto estremeceu
jacaré se complicou
o macaco se perdeu
mas muita gente não viu
o que aqui aconteceu
quando o Brasil coloriu

Sapo-boi veio do céu
o saci deu cambalhota
urubu ficou pinel
a raposa idiota
mas muita gente não viu
o morcego e a marmota
quando o Brasil coloriu

o Corínthians ganhou jogo
até mesmo sem jogar
Interlagos pegou fogo
o que há prá se esperar
mas muita gente não viu
centopéia espernear
quando o Brasil coloriu

Mãe de Santo ficou louca
Oxalá desabafou
se Xangô dormiu de touca
Iançã já se tocou
mas muita gente não viu
que Zumbi ressuscitou
quando o Brasil coloriu

os anjos da catedral
fizeram greve de fome
a boiada no curral
espantou cavalo e homem
todo poeta assistiu
Jesus virar lobisomem
quando o Brasil coloriu

ninguém entendia nada
verdade virou mentira
banana deu goiabada
pica-pau é piruvira
nenhum poeta sorriu
quando o povo errou a mira
quando o Brasil coloriu












III PARTE


Na campanha violenta
dominou a Rede Lobo
platinada e barulhenta
devorando o próprio povo
mas muita gente não viu
que o ouro é de tolo
quando o Brasil coloriu

quem comprou voto é falsário
quem vendeu voto é ladrão
quem vendeu é salafrário
quem comprou é tubarão
mas muita gente não viu
do negócio a maldição
quando o Brasil coloriu

maracutaia propinas
benzeção tição cruzado
alcatrão e gasolina
simpatia e mal olhado
mas muita gente não viu
o feitiço enfeitiçado
quando o Brasil coloriu

grande parte dos mineiros
votou contra a história
sem memória sem herdeiros
viverá a vida inglória
mas muita gente não viu
o peso da palmatória
quando o Brasil coloriu

em São Paulo a coisa é feita
só se pensa em trabalhar
com o pé preso na peia
e a garoa no olhar
mas muita gente não viu
o paulista de danar
quando o Brasil coloriu

lá no Rio foi samba
sempre fora da bitola
cai na festa quem for bamba
não tem vez para Cartola
mas muita gente não viu
quem ganhou perdeu a bola
quando o Brasil coloriu

o Arraias bem liderou
os rincões de Pernambuco
onde a Frente conquistou
sem se dar ao fácil lucro
mas muita gente não viu
que o homem virou suco
quando o Brasil coloriu

trinta anos de espera
de combate e rebeldia
por mais trinta primaveras
o meu povo esperaria
mas muita gente não viu
que aquele era o seu dia
quando o Brasil coloriu

a esquerda reunida
tinha uma só razão
ver a pátria redimida
de tamanha escravidão
mas muita gente não viu
renegou a comunhão
quando o Brasil coloriu













IV PARTE


sete chifres bem na testa
no olhar fosso profundo
sobre o corpo homem-besta
os sinais de outro mundo
mas muita gente não viu
nem o professor Raimundo
quando o Brasil coloriu

ele tem um pé de pato
coração de ariranha
cheira a bode e não é gato
tem do cão a artimanha
mas muita gente não viu
e não viu por ser tacanha
quando o Brasil coloriu

no palanque fez sucesso
bem vestido e irritado
agressivo e possesso
feito lobo encantado (encurralado)
mas muita gente não viu
o avesso do processo
quando o Brasil coloriu

um galã de Ipanema
tipozinho bem lampeiro
um herói de mau cinema
ou turista em fevereiro
mas muita gente não viu
essa pinta de estrangeiro
quando o Brasil coloriu

descendente da elite
um atleta elegante
não somente admite
como afirma com rompante
mas muita gente não viu
a justiça mais adiante
quando o Brasil coloriu

caçador de marajá
sujeitinho refinado
nunca viu carne de pá
só filé encomendado
mas muita gente não viu
o mal cheiro do jabá
quando o Brasil coloriu

correu montado em jumento
ora pois vê se podia
merecer sacramento
da santa democracia
mas muita gente não viu
não viu porque não queria
quando o Brasil coloriu

Karatê Kid nervoso
deu um salto em plena sala
terrível tenso e tinhoso
lá na tela se abala
mas muita gente não viu
a faixa cair na vala
quando o Brasil coloriu

seu nariz é de Pinóquio
é maior que o Planalto
de Alagoas vai a Tóquio
seu espirro é muito alto
mas muita gente não viu
o barulhão do assalto
quando o Brasil coloriu













V PARTE

a eleição não deu outra
foi difícil de engolir
os fantasmas andam soltos
botam para demolir
mas muita gente não viu
a esperança ruir
quando o Brasil coloriu

o resto você já sabe
a imprensa divulgou
o certo é que não cabe
e contar tudo não vou
mas muita gente não viu
o Cruzado que levou
quando o Brasil coloriu

a grana sumiu da praça
cultura foi destruída
INAMPS virou trapaça
Corrupção fez a vida
mas muita gente não viu
o traje roer a traça
quando o Brasil coloriu

a coisa ficou patética
mais que filme de terror
todo o mundo fala em ética
pouca gente praticou
mas muita gente não viu
todo valor resvalou
quando o Brasil coloriu

os recursos vão embora
vão morar no exterior
em vez de justiça agora
a falácia virou flor
mas muita gente não viu
direito mudar de cor
quando o Brasil coloriu

agora vale a esperteza
a falsidade e a ironia
foi assim que a tristeza
tomou conta da alegria
mas muita gente não viu
o que o poeta já via
quando o Brasil coloriu

a nação ficou doente
a pátria cheia de estrias
quem preside o presidente
pode ser PC Farias
mas muita gente não viu
o clamor das três marias
quando o Brasil coloriu

no Congresso a luta engrossa
devagar o cerco aperta
o presidente faz torça
mas a lei é mais esperta
mas muita gente não viu
a mancada do atleta
quando o Brasil coloriu

o povo corre pra rua
protesta e dança maxixe
quer por fim na falcatrua
lutando pelo in-pixe
mas muita gente não viu
a impostura do patife
quando o Brasil coloriu













VI PARTE


inflação virou comédia
moradia nem se fala
o juro acima da média
bate mais que a tala
mas muita gente não viu
pois quem viu já não se cala
quando o Brasil coloriu

tem menino abandonado
tem assalto e tem seqüestro
tem ladrão condecorado
o direito está canhestro
mas muita gente não viu
que o fruto era funesto
quando o Brasil coloriu

verminose com malária
varicela quem diria
uma elite milionária
um milhão com mixaria
mas muita gente não viu
recessão na economia
quando o Brasil coloriu

o povo conhece o resto
não carece enumerar
faço aqui o meu protesto
vem comigo protestar
mas muita gente não viu
que a hora é de lutar
quando o Brasil coloriu

eu não quero mais desgraça
segue em frente a poesia
onde há fogo há fumaça
diz a vã filosofia
mas muita gente não viu
o sinal da estrela guia
quando o Brasil coloriu

o poeta não tem medo
já cumpriu o seu dever
deu seu voto sem segredo
deixa o verso florescer
mas muita gente não viu
que podia renascer
quando o Brasil coloriu

eu assino este cordel
com o nome que bem quero
escrever é meu papel
não engulo lero-lero
mas muita gente não viu
o que vi e o que espero
quando o Brasil coloriu

a minha fala é direta
e ao leitor eu agradeço
já não se mede um poeta
pela medida do verso
mas muita gente não viu
a desordem do regresso
quando o Brasil coloriu

o meu nome é Brasileiro
João Poeta é apelido
se sou homem sou inteiro
sei que sonho tem sentido
mas muita gente não viu
o que aqui foi defendido
quando o Brasil coloriu








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A Saga da Vaca Louca



João Evangelista Rodrigues
Belo Horizonte,31 de março de l006.


se precisar não explico
pois não existe razão
se for curto o verso estico
para aumentar a tensão
eu traço o livro de graça
e boto o verso na praça
porque aguento o rojão

se o poeta for poeta
de nome de tradição
revela arte secreta
dispensa apresentação
e não escolhe o assunto
depois de morto o defundo
é corpo de estimação

a história que você lê
merece mais atenção
pois nem sempre a gente vê
um palmo acima do chão
o amor tem muitas caras
muitas caras são tão raras
amor de vaca é o Cão

de qualquer forma o leitor
vai gostar deste cordel
por qualquer forma de amor
vale a pena o escarcéu
eu por mim faço o que posso
como a carne e quebro o osso
e deixo a vaca pinéu

senhoras e meus senhores
estou com água na boca
só de pensar nos amores
dessa tal de Vaca Louca
ela parece animada
somente um pouco tarada
não sei se dorme de toca

eta vaquinha fogosa
bovina boa de papo
não sei se gorda ou mimosa
se magra feito um fiapo
ela se chama de musa
pra vaca é muito confusa
mas não dispenso o cardápio

imagino que ela seja
de boa raça e doidona
que não berre quando beija
mais novilha que matrona
por ser louca não me importo
vaca velha não suporto
nem bordando na poltrona

de peito grande talvez
dê leite com mais fartura
mas pode ser que a rês
engane por formosura
tem vaca pequeninha
que faz a coisa certinha
e ainda esbanja loucura

carne de vaca é macia
muito mais conforme a parte
toda a hora,todo o dia
pra comer precisa arte
no caso de tal vaquinha
prefiro toda inteirinha
de preferência “ a la cart ”

a julgar pela imagem
que de si mesma ela faz
esta vaca é sacanagem
de raça é tudo capaz
e por cima está sedenta
é mais quente que pimenta
no prato de Satanaz

anda cheia de desejo
igual o diabo gosta
promete um rio de beijo
assina,insiste e aposta
o amor não é vergonha
vaca do Jeqitinhonha
adora pastar de costas


pra ela não é problema
se o servidor ganha mal
é bem outro seu dilema
é louca de dá com pau
já tem três chifres na testa
será que esta vaca presta
ou é um falso animal


pelo jeito anda a perigo
mais que relógio atrasada
se gasta charme comigo
porque não manda assinada
carta sem nome não vale
por este mero detalhe
tudo pode dar em nada

vou lhe dar mais uma chance
minha vaquinha adorada
se fizer charme que dance
que paste noutra invernada
esta é a triste realidade
mas nem sempre a verdade
deve ser sacramentada

há muito mais de aparência
no dia a dia da vida
no fato da existência
não ter de fato medida
se a vaca fosse profeta
saberia que o poeta
de fato é boa pedida

deixo de lado a cantada
pois não sou boi nem machista
mas não retiro a cartada
Vaca Louca,não resista
vale a pena a brincadeira
salte logo esta porteira
mas não chifre o cordelista

e por aqui se encerra
a Saga da Vaca Louca
antes vou a Inglaterra
onde até Lady dá sopa
porém com vacas mineiras
faço amor e dou rasteira
afinal eu não sou trouxa

o poeta se despede
sem alarde ou covardia
pois o verso aqui não fede
nem tão pouco a poesia
se quiser meu endereço
faça certo pois mereço
da vaca a melhor fatia

........








A Brasília de Seu Raul


As Peripécias da Brasília de Seu
Raul pelas Estradas de São Tiago



João Evangelista Rodrigues

Março de 1999.




Depois da brasília amarela dos Mamonas Assassinas, a brasília mais famosa do mundo
é brasília de Seu Raul, lá em São Tiago, no interior das Vertentes de Minas Gerais.


O carro do seu Raul
é deveras engraçado
dentro dele tem de tudo
por isto é muito afamado
pras bandas de São Tiago
pra tudo quanto é lado
sempre é muito admirado

não é por razão à toa
tanta fama e atenção
já faz tempo que ressoa
por entre a população
o carro do Seu Raul
já rodou de norte a sul
espalhando sensação

Seu Raul já foi prefeito
segundo dizem dos bão
é homem sério e direito
senhor de bom coração
mas seu carro encomendado
parece almoxarifado
de um hospício do Japão

também parece oficina
pátio de circo mambembe
tem cheiro de gasolina
e por tudo que me lembre
este carro é diferente
de todo carro existente
até pelo nome atende

não é tanto pela marca
nem pela cor com certeza
parece mais uma arca
gorda esticada e obesa
uma Brasília enfeitada
amarela desbotada
mas que faz muita proeza

parece até fantasia
só acredita quem vê
dentro dele tem polia
peça de rádio e TV
tem um ninho de galinha
uma jibóia mansinha
não falta nada pra ter

dentro dele tem de tudo
o que se acha na estrada
ferro velho parafuso
alfinete almofada
tem até um colchão velho
um pedaço de espelho
uma cadeira quebrada

tem de tudo que a gente
imagina que precisa
quando da fé de repente
aperto maior avisa
tem lanterna e lamparina
cigarro pão margarina
faca gilete e camisa

há mesmo quem faz intriga
sobre essa tal condução
mas o seu dono não briga
pois briga é coisa de cão
leva tudo na esportiva
pois a vida mais festiva
dá mais graça e emoção

outro dia foi demais
veja o que aconteceu
até saiu nos jornais
e foi assim que se deu
o carro perdeu o freio
e o trem ficou tão feio
que até o chifre fedeu

foi na boquinha da noite
numa curva perigosa
a chuva com seu açoite
parecia pedregosa
bem no meio do asfalto
a dama de salto alto
pediu carona chorosa

se era viva não sei
nem se era aqui da terra
só conto o que escutei
a verdade aqui se encerra
Seu Raul perdeu o rumo
O carro perdeu o prumo
foi rolando pela serra

antes bateu numa casa
atravessou a parede
nem se o Trem tivesse asa
nem se Deus tivesse rede
o carro tava embalado
nem o mar engarrafado
mataria sua sede

pulou por cima da grota
venceu duas ribanceiras
atropelou vaca morta
quebrou só duas porteiras
o carro seguiu em frente
não perdeu sequer um dente
ao bater nas bananeiras

entrou na porta da igreja
foi para da outra banda
nunca vi tanta peleja
quebrou boteco e quitanda
êta carinho danado
sempre mais acelerado
sempre arribitando a tanga

levou no peito uma ponte
caiu lá dentro do rio
só feriu de leve a fronte
tremeu um pouco de frio
o boné do motorista
voou pra longe da pista
sumiu no capim macio

parecia um bode babo
quando perde a estribeira
o bicho abriu o rabo
e não perdeu a tranqueira
rodou pra tudo o que é lado
e nada ficou quebrado
juro não é brincadeira

o carro trombou num boi
deixou um burro aleijado
foi assim mesmo que foi
e nada foi inventado
bateu numa sucupira
se enroscou numa embirra
só ficou meio amassado

quem viu não acreditou
em tamanha estrepolia
o carro quase voou
por cima da ferrovia
se chocou num trem de ferro
buzinou gritou deu berro
enquanto o chofer sorria

mesmo dando cambalhota
salto mortal e chifrada
não amassou a capota
nem a porta foi quebrada
o carro bateu de pé
você sabe como é
nunca vi fé tão danada

é verdade que a forreca
agora está mais cambeta
só faz ligação direta
nem marcha – à – ré ela aceita
seu Raul não se importa
pois mesmo com a asa torta
chega bem na hora certa

o carro do Seu Raul
é a maior curtição
dentro dele tem tatu
tem cobra e escorpião
há quem diga com certeza
nele só não tem tristeza
pois isto não presta não

dentro dele tem lençol
tem tudo que se quiser
arame fita farol
tudo o que você disser
de tão cheio se arrebenta
mesmo assim seu dono tenta
colocar sua mulher

mesmo velho tem seu brilho
tem o maior farturão
uma lavoura de milho
um canteiro de feijão
só falta agora o quiabo
é um carro malcriado
anda só na contramão

por onde este carro passa
é motivo de sucesso
seja no asfalto ou na praça
eu juro digo e confesso
o carro é tão engraçado
tão diferente e enfeitado
que acabou virando festa

parece coisa de artista
nunca vi tanta armação
dentro dele tem revista
cola batom papelão
um carro assim semelhante
só vi em Belo Horizonte
só o do Grupo Galpão

espero que o seu dono
em nada me leve a mal
é que estava sem sono
e o carro é genial
seu Raul é meu amigo
não vejo nenhum perigo
em rir do que é real

por aqui eu me despeço
neste verso de cordel
nem no vento me tropeço
pois a vida é um carrossel
eu juro que é verdade
vi por cima da cidade
uma Brasília no céu
a notícia correu mundo
e não menos sem razão
é o que diz o Raimundo
e o Zé do Sebastião
parece coisa encantada
seu Raul dando risada
ao ver tanta confusão

o carro do Seu Raul
é deveras bem legal
é feito um museu de tudo
patrimônio cultural
que o leitor me entenda
esse carro virou lenda
atração municipal

se o leitor não acredita
no que aqui eu escrevo
por favor não faça fita
vá conferir o acervo
confira pessoalmente
não seja tão resistente

contra o que aqui escrevo
,,,,,,,,,





Tudo Isto é Cultura e Natureza





Exercícios hiperbólicos em torno da Literatura de Cordel




joão evangelista rodrigues






Fevereiro /1977


os trovões enfurecidos nas alturas
assustando os passarinhos lá no céu
e o raio que clareia a noite escura
feito as asas coloridas de um corcel
e as estrelas feito grãos de formosura
espalhadas nos desertos `a revel
desrespeitam a tal lei da gravidade
sempre em nome da harmonia e da beleza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

os vulcões vão vomitando a alma acesa
se arrastam pela terra incandescente
e os rios transbordando as represas
arrebentam as colunas e correntes
e o gado feito peixe sem destreza
vai morrendo sem berrar entre as enchentes
e o vento com mais força e liberdade
vai mostrando suas glórias e proezas
tudo isso é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

eos bichos pequeninos e espertos
a serpente o coelho e a raposa
o cachorro o tatu e os mais alertos
a cigarra a galinha a mariposa
o boi manso o leopardo e mais de perto
come junto a uma ovelha cor-de-rosa
uma hiena sorri com sinceridade
pois assim ela defende a sobremesa
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

e as cidades decadentes mais parecem
cemitérios sem razão só de tristeza
entre escombros simplesmente adormecem
pois a fome é pior que a pobreza
mesmo à noite as cidades se enfurecem
se entorpecem de aromas e torpezas
nas cidades não floresce a piedade
nem o amor se enamora da pureza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


e os mares os riachos e florestas
viram cinzas no ocidente incendiados
e os magos das moedas fazem festas
se devoram entre si os convidados
e as batalhas mais brutais e desonestas
acontecem nos cenários refinados
acontecem por que vivem da maldade
de orgulho e de vil delicadeza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

e o barulho destas duras engrenagens
dirigindo as cabeças e as mãos
e as falsas tempestades nas folhagens
provocando acidentes e explosões
e o murmúrio das ruas e das margens
e a revolta das escravas multidões
são as formas mais terríveis de verdade
e das tintas mais ocultas da frieza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


o concerto das marés dos oceanos
nos cenários dos teatros naturais
o enredo de cinemas mais humanos
as orquestras das auroras de cristais
os abismos mais profundos e profanos
das notícias das tevês e dos jornais
são inagens o perfil da humanidade
a linguagem da esperança e da leveza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura natureza

os desenhos das cavernas mais antigas
as cisternas os casebres e os castelos
as estradas as fronteiras inimigas
os fantasmas que habitam os espelhos
nos oásis das formosas bailarinas
os duendes as crianças e os velhos
são os mitos da história e das idades
são os gritos de quem sonha mais nobreza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza


e se todos os poetas do universo
se unissem neste mesmo sentimento
e se juntos escrevessem um só verso
na brancura do imenso firmamento
e se todos os humanos intelectos
se entendessem sem rancor e sofrimento
e apesar da fabulosa infinidade
tudo fosse conhecido com clareza
tudo isto é sinal da realidade
tudo isto é cultura e natureza

tudo isto reunido em um só livro
reescrito nos diversos dialetos
e se tudo em vez de morto fosse vivo
fosse vivo e mais livre e mais concreto
fosse tudo mais moderno e primitivo
sem distâncias o sujeito e o objeto
livro aberto para toda a humanidade
ler em torno dos encantos desta mesa
tudo isto é sinal da realidade
seria tudo cultura e natureza




ooo




Eu não Sabia de Nada

Saga de presidente brasileiro, Babalulu, em busca
de sua identidade perdida além do Planalto Central.



joão evangelista rodrigues






Abril de 2006.




Prefacinho Inconformado



Este espaço é reservado ao leitor.Aqui ele pode escrever todo o que pensa sobre a política brasileira e seus infiéis protagonistas. Procure lembrar de todo o que o incomoda na história do Brasil, desde o achametno de Cabral até hoje. Triste história bela, esta a nossa.Cada leitor/eleitor poderá redigir seu “Prefacinho Inconformado”, ao modo de Mário de Andrade e, depois do desabafo, botar a cabeça pra funcionar.Coloque a mão na massa para
Transformar a face de nosso Pais. O Brasil não é mais o páis do futuro. É um lugar privilegiado do Planeta, que, infelizmente, está sendo saqueado desde as suas origens. Por tudo o que é, por tudo o que já deixou de ser. Pelo que poderemos fazer deste país, p Brasil, ainda, merece seu voto confiança. Vote no Brasil. Fique de olho.Quem sabe, faz aagora. Não existe melhor opção.
O autor.


Cesse tudo o que as múmias
Fofocam lá no Planalto,
Em nome de todas as lulas,
Das traíras e dos ratos,
Eu quero contar ligeiro
Com palavra bem rimada
Tudo o que sei e ouvi
Da zebra, do javali,
Juro por Deus, companheiro,
Eu, Lulu ,não sei de nada.
I
Seu Lulu peço licença.
Não não vou fazer propaganda.
Não vou comprar a imprensa.
Não me olhe assim de banda.
Não me interessa dinheiro,
Pois, grana vira enxurrada.
Se seu governo está fraco,
Não dá pra tampar buraco.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
II
Que negócio mais antigo
Roubar em nome do povo,
Zé Pirceu, meu caro amigo,
Invente golpe mais novo,
Mais sutil e mais certeiro.
Use luvas, camarada.
Não me coloque em perigo,
Planeje bem o que digo,
Juro por Deus, companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
III
Fale com Bidu Mendonça,
Explique ao Marques Farelo,
Fique de olho na onça,
Não saia do cemitério.
Ninguém vive sem dinheiro.
Sem óleo a geringonça,
Somente meus eleitores,
Insensatos sonhadores,
Juro por Deus, companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
IV
Não sei o que acontece
Debaixo do meu nariz.
Nossa gente não merece
Viver assim ,infeliz.
Eu,Lula, já fui torneiro,
Operário da pesada,
Agora sou presidente!
Demorou ,mas finalmente,
Juro por Deus ,companheiro
Eu ,Lulu, não sei de nada.
V
Como saber poderia?
Nem estudar, estudei.
Praguejava noite e dia
Até sonhava ser rei.
Fingia ser guerrilheiro,
Gostava de marmelada,
Ter palacete em Brasília,
Pra toda a minha família!
Juro por Deus ,companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
VI
Nada sei sobre as estradas,
Que mais parecem crateras.
Florestas incendiadas,
Queimando homens e feras.
Já andei o mundo inteiro,
Conheci gente afamada,
China, Japão ,Inglaterra.
Quem muito fala ,mais erra.
Juro por Deus, companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
VII
Os traficantes na rua,
A noite cortada a bala,
Corrupção continua,
É assim que a mídia fala.
O túnel virou bueiro.
Uma bagunça danada!
Até o Banco Central
Passou por esse canal.
Juro por Deus ,companheiro,
Eu, Lulu ,não sei de nada.
VIII
Eu não sei como o Brasil
Ainda tem chuva e sol,
Rio grande e céu de anil,
Carnaval e futebol!
Um povo bom e festeiro.
Vê se decifra a charada.
Agora eu sou vidraça.
Eu não boto o meu de graça.
Juro por Deus, companheiro.
Eu ,Lulu, não sei de nada.
IX
Sou amigo de Fidel,
De Hugo Chaves também.
Eu quero sopa no mel,
Seja por mal ou por bem.
Escuta essa ,parceiro,
A data já está marcada.
Não tiro a faixa do peito,
Eu quero ser reeleito!
Juro por Deus ,companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
X
Não sei, nem quero saber,
Se o povo é consciente.
Meu negócio é poder,
Permanecer presidente.
Eu falo por meu travesseiro.
A vida é mesmo engraçada!
Enquanto sigo meu rumo,
O Peteco entra no fumo.
Juro por Deus ,companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
XI
Veja o Palot, faz dó.
Ver o menino avexado,
Depois de dar tanto nó,
Saiu do trono apertado.
E o fato verdadeiro,
Até parece piada,
Pra por manteiga no pão,
Há quem mate o irmão,
Juro por Deus, companheiro,
Eu, Lul, não sei de nada.
XII
Não sei o que me oferece
O coração do congresso.
Todo o país estremece.
Quero ordem e regresso!
Sou Presi, não sou roqueiro,
Minha nobre deputada.
Enquanto rebola a dita,
Só o voto me excita.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XIII
Nem o BBB eu vi.
Não vi e já não gostei.
Mas por tudo o que não li,
Por tudo o que já engordei,
Eu fico meio cabreiro.
Pobreza é barca furada.
Se ligue no BBP.
Não vote mais no PT.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XIV
Só sei que nada me espanta
De onde vim ao Planalto.
Que um valor se alevanta,
Mais nobre, muito mais alto.
O cordel é mensageiro
Viva a Pátria liberada.
Sem miséria e sem tristeza.
Com livro e pão sobre a mesa.
Juro por Deus, companheiro.
Eu Lulu não sei de nada.
XV
Se soubesse, choraria..
Faria greve de fome..
Pro nordeste voltaria..
Viraria lobisomem.
Assustaria a parteira,
Minha sogra aperreada.
Com o tal de Mensalão
Assusto até Lampião
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XVI
Se o Lulu de nada sabe,
Como pode governar.
Não pode a ponta do sabre
Um diamante furar.
Quem nasceu pra ser toureiro
Leva do touro a chifrada.
Lulu lá na presidência
Não tem fim a decadência.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada
XVII
Pela infância abandonada,
Pela Cidade de Deus,
Pelos Falcões da calçada,
Pelos meus e pelos seus,
Por todos nós ,brasileiros,
Ta na hora da virada.
O seu voto vai vencer,
Põe Peteco pra correr!
Juro por Deus ,companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XVIII
O Lulu não ta com nada.
Tudo puta enganação.
Se a cuca fica inchada
Na hora da votação.
Dê seu voto bem matreiro
Peteco é carta marcada
Vote na cidadania
Na cultura e na poesia
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XIX
Eu nunca vi a tal lista.
Nunca li e não lerei.
Eu detesto comunista.
Já disse: quero ser rei.
Já cansei de ser torneiro.
De verdade não sei nada,
Não sei nem ser brasileiro
Corintiano ou porteiro
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XX
Vamos ganhar a parada!!!
Vencer a Copa do mundo.
Ver a Nação renovada.
Com sentimento profundo.
Chega de ser presepeiro
A onça aqui é pintada.
Pelo rebolo da dona.
O Congresso virou zona.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.
XXI
Aqui bunda é remelexo
Pura paixão nacional
O peão via pegar trecho,
Voltar pra terra Natal.
Vou a trás de um traseiro,
Bundinha bem modelada.
Quero ser um membro ativo
E não mero executivo.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.
XXII
A estrela do Peteco
Está um "pouco" apagada.
A gente já não a vê,
Mesmo em noite fechada,
Quando o céu é um canteiro,
Estrela fica humilhada...
O vermelho deu bandeira,
Perdeu a cor verdadeira.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.
XXIII
Luto com letra e espada.
Me estico , atiço e panfleto.
Grito, xingo dou risada.
Meu voto é claro e direto.
Não é samba em fevereiro,
Nem fantasia rasgada;
O povo não quer assalto.
Nem Peteco no Planalto.
Juro por Deus, companheiro,
Eu lulu não sei de nada.
XXIV
Não é só questão de briga,
É questão de vida ou morte.
Não olhe só pra barriga,
Olhe pro sul e por norte.
Olhe para o mundo inteiro,
Pra terra globalizada.
Comece em Minas Gerais,
Mude agora ou nunca mais.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.
XXV
Luto com rima encantada.
Não com feitiço ou macumba;
A Nação organizada
Com voz mais forte retumba.
Não quero ser conselheiro
A palavra foi lançada.
Quem quiser pegue a mensagem,
Lute com raça e coragem.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.
XXVI
Sai ministro, cai sinistro.
Parece até dominó.
Tudo já era previsto.
Pelos chifres de Chicó.
Chicó não é feiticeiro,
É coisa mais complicada;
Ele é cria de um cabrito
Com uma vaca do Egito
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XXVII
Muito obrigado, leitor,
Pela sua companhia,
Por degustar o sabor
Natural da poesia.
Sou um poeta mineiro,
Não gosto de rima errada.
Se o cordel é do nordeste,
A eleição é um teste.
Juro por Deus ,companheiro,
Eu Lulu, na sei de nada.
XXVIII
A novela não tem fim...
Ainda bem que não tem.
A mula come o jardim.
O jeguinho diz amém,
Pelo santo milagreiro.
Pelo estouro da boiada.
Eu termino este cordel.
Pois não tenho mais papel.
Juro por Deus ,companheiro,
Eu, Lulu, não sei de nada.
XXIX
O resto você imagina.
Você vê pelos jornais.
Parece Macunaíma,
Queimando os canaviais.
Só se vê o nevoeiro
Do Brasil na encruzilhada;
O eleitor cidadão
Não cai mais nesta não.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.

XXX
Imagine se soubesse!
Pelas chagas de Jesus,
Ao povo o que merece,
Não, porém, ao que faz jus.
São trinta e três escudeiros,
E a raça toda cercada,
É um triste samba de enredo.
Ressurreição e degredo.
Juro por Deus, companheiro.
Eu Lulu não sei de nada.
XXXI
Sei de tudo o que se passa
Debaixo dos bastidores.
Desde a origem da raça.
Aos modernos delatores.
Ladrões, piratas, herdeiros,
Bandeirantes de fachada.
Devotos bem disfarçados
Todos humanos, coitados.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XXXII
É a maior baixaria.
Haja de ac aço culhoes.
Ali Babá choraria
Com tais quarenta ladrões.
Mais que covil, é vespeiro.
Matilha., Bando.Manada.
É a procuradoria
Que proclama a porcaria.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada.
XXXIII
Moro no Bairro Brasília
Bem longe da Capital
Vem de lá o que humilha
Apesar de nome igual
O poeta está banzeiro.
Está de cuca trincada.
Pela honra do Brasil
Quer ver o fim do covil.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu, não sei de nada. ,
XXXIV
Passe pra frente o protesto
Contra toda a impunidade.
Sou poeta e manifesto
Em nome da liberdade.
Antes, senti primeiro
A nação desrespeitada.
Escrevo de modo franco.
Coloco o bicho no tronco.
Juro por Deus, companheiro.
Eu Lulu não sei de nada.
XXXV
Passe pra frente meus versos
De sotaque popular.
Sejam santos ou perversos,
Servem pro povo acordar.
De Assaré eu sou herdeiro
Patativa é madrugada;
Viva o povo brasileiro..
Poetas do mundo inteiro.
Juro por Deus, companheiro,
Eu Lulu não sei de nada.
XXXVI
Não sou dono da verdade.
Nem pretendo ser herói.
Leio a realidade.
Sei o quanto ela dói.
Dói aqui e no estrangeiro.
Essa dor é mascarada.
Se não fosse a poesia,
Ninguém a suportaria.
Só Lulu,meus companheiros,
É feliz, não sabe nada.
XXXVII
O julgamento é do povo
Ele é que sente na pele
Precisa de algo novo
Que só o voto consegue
Só o povo é mensageiro
Da verdade libertada
Precisa de pão e verso
Um lugar no universo
Eu juro, meus companheiros,
Só Lulu não sabe nada
XXXVIII
Não sou dono da verdade.
Nem pretendo ser herói.
Leio a realidade.
Sei o quanto ela dói.
Dói aqui e no estrangeiro.
Essa dor é mascarada.
Se não fosse a poesia,
Ninguém a suportaria.
Só Lulu,meus companheiros,
É feliz, não sabe nada.

.............









Sonhar Não
é Pecado



A história de um brasileiro que sonhava um Brasil melhor
e acabou virando poeta



joão evangelista rodrigues




Sonhar não
é Pecado





Fevereiro/1997





há gente que imagina
uma casa pequenina
branca no pé da colina
igual flor de manacá
uma casa onde o amor
seja doce namorado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

tem brasileiro que sonha
cacho de flores na fronha
nem por isto tem vergonha
de estar assim como está
sempre feliz sem rancor
sempre sorrindo engraçado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

ainda há quem procura
estrela na noite escura
sossego de água pura
rio claro pra nadar
procura o procurador
que procura o procurado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

há quem diz bem poderia
viver só de fantasia
ano inteiro todo dia
carnaval não se acabar
ai meu Deus se assim for
não vamos ter feriado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

quem dera se só houvesse
feira forró e quermesse
se Brasil fosse com Esse
seria bom pra danar
seria mesmo um primor
um paraíso encantado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

e se não houvesse imposto
nem tristeza nem desgosto
só a beleza no rosto
pra gente ver e cismar
se no lugar do rancor
florisse o riso rasgado
brasilerio é sonhador
mas sonhar não é pecado

se não houvesse pivete
nem faca nem canivete
só poema na Internete
noticia boa no ar
até o computador
seria mais delicado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

se não houvesse patrão
chefe salário cartão
fila doença aflição
motivos pra reclamar
se fosse só o calor
o mar de tom azulado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado


imagine se a paisagem
fosse um painel de miragem
de toda cor a viagem
daria gosto de olhar
seria bom o sabor
do fruto bem madurado
brasileiro é sonhador
mas snhar não é pecado

se todo fosse prazer
o tempo só de lazer
pra gente dar e vender
descanso até se cansar
e o pobre trabalhdor
não fosse tão explorado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado


e se sempre houvesse sol
festa farra e futebol
arco-íris no arrebol
pra quem quisesse pegar
ninguém iria se opor
ao regime decretado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

se o povo fosse estudado
consciente organizado
independente do Estado
fosse feliz e em paz
com certeza o Redenor
salvaria o Corcovado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado


ver a fartura na mesa
em torno da vela acesa
nem plebeu nem realeza
toda a gente a se fartar
isto é jsutiça doutor
um país abençoado
brasilerio é sonhador
mas sonhar não é pecado


a terra bem repartida
bem cultivada e florida
todos muito bem de vida
cuidando de um só pomar
com sabiá beija-flor
um passo-preto afinado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

todos bicnhos do mato
cobra tatu carrapato
sapo jacu de sapato
falando o mesmo falar
e o bicho-homem-cantor
tudo entendendo encantado
brsileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

se tudo fosse direito
o presidente perfeito
o coração e o peito
seria de admirar
seria bom sim Senhor
ver o Brasil respeitado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

e as cores da bandeira
que balança sombranceira
igual feito bananeira
igual vento a se inventar
cobrindo todos com ardor
feito igual céu estrelado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado

tudo seria memória
a vida mais provisória
seria o cerne da história
universo tropical
seria tudo explendor
território afortunado
brasileiro é sonhador
mas sonhar não é pecado




oo0ooooo




O Baile das Letras






João Evangelista Rodrigues


a
s letras do alfabeto
são todas muito engraçadas
algumas cheias de afeto
outras um pouco estouvadas
todas são muito bonitas
com elas são infinitas
as palavras desenhadas

b
asta saber combinar
a forma o colorido
o tato o paladar
o coração e o ouvido
e como fossem magia
mistério ou maestria
as frases ganham sentido

c
ertas letras são magrinhas
belas parecem castelos
há também as gorduchinhas
redondas feito novelos
existem letras compridas
exatas e exibidas
todas cheias de apelos

d
uas letrinhas somente
já dão muito o que falar
ditas de modo eloquente
poderão tudo mudar
se pouco dizem pôr si
juntinhas igual aqui
histórias podem contar

e
xistem letras discretas
outras muito enfeitadas
aquelas duras e retas
muitas letras são quadradas
cada qual é diferente
as vezes parecem gente
andando pelas calçadas

f
igurinhas graciosas
estão sempre de mãos dadas
algumas são montanhosas
há letras bem humoradas
certas letras são tão finas
lembram certas bailarinas
em suas malhas douradas

g
ostam de usar chapéu
apertam bem a cintura
desfilam sobre o papel
mudam de forma e postura
às vezes parecem bola
muitas vezes se enrolam
saltam fora da moldura


h
á gente que nunca sente
o quanto as letras são belas
o quanto são transparentes
muito mais do que janelas
não sente sua ternura
não toca sua textura
por isto não gosta delas


i
maginem se no mundo
não existissem as letras
elas vêm do mais profundo
universo das estrelas
sem elas os pensamentos
voariam com os ventos
ninguém poderiam vê-los

j
á certas letras sugerem
insetos bem divertidos
um gafanhoto severo
uma joaninha de vidro
uma barata tan - tan
um louva – deus no divã
vendo um grilo no livro


l
ogo - logo se percebe
que letras são seres vivos
são espertas feito lebres
mais que espertas são livres
algumas são elegantes
outras mais interessantes
com suas trombas incríveis


m
uitas letras são atletas
praticam vários esportes
são as letras mais esbeltas
mais leves belas e fortes
outras são bem pequeninas
são curiosas meninas
espiando atrás da porta

n
uma página em branco
é mais fácil observar
umas chegam de tamanco
outras pisam devagar
algumas dizem silêncio
outras tem cheiro de incenso
todas desejam voar

o
“o” o “u “ por exemplo
fazem muita algazarra
movem os muros do tempo
ecoam mais que cigarra
o ‘I ‘ é mais estridente
enquanto o “a “ certamente
faz mais farra na fanfarra


p
ode mesmo acontecer
de a letra ficar trocada
seria como escrever
correto a palavra errada
a fala assim fica fula
a mola assim vira mula
a língua fica embolada

q
ue coisa mais venturosa
já disse um dia o poeta
seja em verso ou em prosa
a palavra é uma seta
atinge bem lá no peito
e quando pega de jeito
a fala fica formosa

r
epare o “B” bem bolado
parece Ter dois andares
o chaminé no telhado
leva a fumaça pros ares
seria casa perfeita
se a porta não fosse estreita
e as janelas fossem pares

s
em as três pernas o “M “
não pode se equilibrar
quanto mais alto mais treme
é difícil de escalar
o “M “ é uma montanha
onde se esconde a manhã
de onde o sol vem olhar

t
em letras bem semelhantes
nenhuma delas é feia
são mesmo muito instigantes (?)
se o “S” lembra sereia
e o “T” parece um poste
do “W” só há quem goste
há não ser gente de veia
vê o “V “com vista cheia

u
ma letra faz mudar
o sentido de repente
veja só pra comprovar
o quanto a fala é fluente
se o dedo toca no dado
o dado troca de lado
muda a vida de repente

v
ocê viu bem o vai vem
do alfabeto a beleza
as formas que ele tem
sua poesia e leveza
pois é esta formosura
que dá prazer à leitura
e mantém a chama acesa

X
é o xis da questão
é uma letra enigmática
pode causar confusão
complicar toda a gramática
com poucas letras assim
o livro fica sem fim
a vida fica fantástica
z
ele portanto dos livros
é neles que as letras moram
as letras são seres vivos
ora cantam ora choram
com elas a poesia
habita a casa do dia
toda a paisagem lá fora

........
Nossa Senhora , imagem do Seroo *MG)




Nossa Senhora das Águas




João Evangelista Rodrigues





Dedicatória

Minas é o sertão das águas. Reino de peixes e iaras. Aqui os rios são santos e doces. Pretos e verdes. Grandes caminhos liquefeitos em armadilhas e esperança. Rios são espelhos onde bebem os bichos e os homens. Campos propícios à colheita de sonhos e cantigas. Minas é o sertão das águas.


Aos rios todos de minha aldeia - seus afluentes e influências - onde pesquei sons, sonhos e outros universos invisíveis.

A todos que respeitam e cuidam das águas do mundo - a alma de nossa aldeia comum.




Nossa Senhora das Águas
dê-me força e energia
encha meus versos de alma
de sentimento e magia
não quero raiva nem mágoa
onde meu verso deságua
água é vida e alegria

dê-me senso de verdade
de justiça e harmonia
dê-me prazer e vontade
pra seguir esta porfia
pra beber água de fonte
no mais longínquo horizonte
água é vida e alegria

eu louvo a água da bica
da tempestade bravia
da chuva mansa que fica
parecendo melodia
louvo a água das lagoas
no sossego das taboas
água é vida e alegria

louvo a água da vertente
das marés da calmaria
da geleira onipotente
do charco sem travessia
as águas do mundo todo
em qualquer parte do globo
água é vida e alegria

eu louvo a água salgada
e porque não louvaria
a água benta e sagrada
que canta dentro da pia
no sacrossanto batismo
ou no mais profano abismo
água é vida e alegria

peço licença à Iara
à Virgem Santa Maria
ao deserto do Saara
só de Deus a travessia
nos quatro cantos do mundo
escrevo o mote profundo
água é vida e alegria

peeço licença ao Nordeste
ao Pernambuco e a Bahia
não estou fazendo teste
nesta minha alegoria
só quero cantar ligeiro
no coração do coqueiro
água é vida e alegria

eu também peço licença
pro santo da romaria
eu canto aqui na presença
de mendigo e fidalguia
pra todo tipo de gente
pra passarinho e serpente
água é vida e alegria

a Senhora Aparecida
santa de muita valia
peço carinho e guarida
para todo o santo dia
para toda raça humana
sob os Arcos do Santana
água é vida e alegria


canto o Rio São Miguel
São Domingos me alivia
da sede seca e cruel
que a tudo mataria
peço ao Córrego das Almas
às aves que batem palmas
água é vida e alegria

eu canto pois acredito
na real democracia
escrevo aqui e recito
do povo a sabedoria
maior que ouro e riqueza
é seiva da natureza
água é vida e alegria

eu canto porque desejo
não fosse não cantaria
canto igual um rio andejo
um tirador de folia
passando de casa em casa
mesmo quando apaga a brasa
água é vida e alegria

eu canto como se fosse
cantiga de profecia
água salgada foi doce
noite fechada foi dia
para o veloz albatroz
para o bicho mais feroz
água é vida e alegria

quero ver se alguém duvida
do cantar que se enuncia
se duvidar que decida
sem falsa velhacaria
água vem do ribeirão
corre na palma da mão
água é vida e alegria

vou saudar o São Francisco
não quero a sua agonia
pelo poder de Corisco
pela fé na cantoria
salve o Jequitinhonha
salve o leito de quem sonha
água é vida e alegria

pela bela Casca Danta
cachoeira que anuncia
fortaleza pura e santa
salto de água mais fria
pela glória nacional
unidade sem igual
água é vida e alegria

de São Roque à Pirapora
a água desce macia
Arcos de Luz mais sonora
meu Bom Jesus da Bahia
de Paulo Afonso a Penedo
o rio guarda segredos
água é vida e alegria

Real Porto de Iguatama
vai bebendo a geografia
de água areia de lama
canto de rio assovia
o Velho Chico não cabe
só na palavra saudade
água é vida e alegria

Lagoa de águas claras
de Prata que alumia
de lendas lindas e raras
nas curvas de cada dia
o rio banha a cidade
canta de felicidade
água é vida e alegria

o pequenino Santana
onde a boiada bebia
onde havia tubarana
onde a enchente gemia
só tem areia mais nada
na paisagem degradada
água é vida e alegria

Rio Preto São Miguel
águas de toda a bacia
São Domingos é corcel
saltando na pradaria
Amazonas e Madeira
nos cantos da terra inteira
água é vida e alegria

Vargem Bonita Moema
desce o rio em cantoria
canta o mesmo dilema
de água viva em porfia
nos acordes da viola
por toda a parte que rola
água é vida e alegria

nos bosques de Cambuquira
a santa paz irradia
feito o som de uma lira
no fulgor do meio dia
Nossa Senhora das águas
vela o mistério das matas
água é vida e alegria

quero saudar Zé Limeira
poeta de maestria
bebedor de cachoeira
rimador a revelia
vejo o poeta com sede
morrendo a mingua na rede
água é vida e alegria

Zé Limeira foi ao mar
bem cedo ao romper do dia
viu o mar se evaporar
rezou pra Virgem Maria
pediu pra tudo que é Santo
nas Sete Quedas de espanto
água é vida e alegria

promovendo mais façanha
fez das nuvens montaria
sobrevoou as montanhas
foi parar lá na Turquia
queria água de mina
onde a fartura germina
água é vida e alegria

quero saudar as florestas
desertos em alquimia
as cidades e seus insetos
inútil maquinaria
nas ruínas pós-modernas
nas caçambas e cisternas
água é vida e alegria

a água vem do escuro
vem de onde se alumia
nasce de jeito mais puro
rola pela serrania
todo o planeta precisa
sem água tudo agoniza
água é vida e alegria

sem a água os motores
da terrestre engenharia
não fariam seus terrores
contra a ecologia
a água move moinhos
na solidão dos caminhos
água é vida e alegria

xiste água nas frutas
veja só a melancia
a água vive nas grutas
torna a terra mais macia
no sertão ou na cidade
é a mais pura verdade
água é vida e alegria

tem gente que desperdiça
água só por picardia
por tolice ou por preguiça
até hoje quem diria
não sabe que água é sangue
no riacho ou no mangue
água é vida e alegria

é um dom da natureza
e tem muita serventia
serve pra lavar tristeza
lavar medo e covardia
é contra toda sujeira
a água é nossa bandeira
água é vida e alegria

não é preciso dizer
quem disser não pecaria
é ela que faz nascer
esperança e poesia
nos campos de plantação
água nova é promissão
água é vida e alegria

cuidar das águas nascentes
das águas mornas e frias
soltar as águas correntes
das importantes bacias
é uma ação cidadã
na Terra de Canaã
água é vida e alegria

ao leitor faço um pedido
eu não quero regalia
faça o que aqui foi lido
dê asas a ousadia
da água faça a defesa
em nome da natureza
água é vida e alegria

e na hora de votar
defenda a cidadania
vote em quem vai legislar
com saber e garantia
presidente ou senador
deputado ou vereador
água é vida e alegria

mas não espere somente
assim não alcançaria
esta batalha é urgente
senão tudo secaria
lute sempre organizado
no Planeta ameaçado
água é vida e alegria

seja empresa privada
ou poderosa autarquia
não vale ação isolada
nem mera demagogia
o Governo e a Igreja
sabem que nesta peleja
água é vida e alegria

eu vou seguindo o caminho
de água mansa e macia
às vezes piso no espinho
não vejo a estrela guia
ela mora lá no fundo
no rio turvo do mundo
água é vida e alegria

você termina a leitura
será que terminaria
água mole em pedra dura
assim bate a poesia
de tanto bater na gente
agita a água corrente
água é vida e alegria

mas a vida não termina
isto você já sabia
escreve aqui quem assina
em nome da ecologia
que a mãe d'água nos proteja
bendito louvado seja
água é vida e alegria

finalmente me despeço
talvez seja utopia
esperança em excesso
confiança e rebeldia
contra a corrente do tempo
viva a água em movimento
água é vida e alegria

se quiser falar comigo
não precisa cortesia
trato amigo como amigo
o que é bom com simpatia
poesia é água nova
não precisa mais de prova
água é vida e alegria

meu nome evangeliza
o verbo aqui se inicia
não quero honra de artista
nem se fosse não queria
meu ofício é escrever
quem quiser venha beber
água é vida e alegria

isto é Fraternidade
dividir a poesia
defender a humanidade
contra toda a covardia
participe da Campanha
entre o céu e a montanha
água é vida e alegria

independente da raça
do credo da ideologia
beba a água dessa taça
faça da dor harmonia
pois em todo o Universo
nas gotinhas destes versos
água é vida e alegria


,,,,,,,,,,,
Nossa Senhora das Águas




João Evangelista Rodrigues






Dedicatória

Minas é o sertão das águas. Reino de peixes e iaras. Aqui os rios são santos e doces. Pretos e verdes. Grandes caminhos liquefeitos em armadilhas e esperança. Rios são espelhos onde bebem os bichos e os homens. Campos propícios à colheita de sonhos e cantigas. Minas é o sertão das águas.


Aos rios todos de minha aldeia - seus afluentes e influências - onde pesquei sons, sonhos e outros universos invisíveis.

A todos que respeitam e cuidam das águas do mundo - a alma de nossa aldeia comum.



Nossa Senhora das Águas
dê-me força e energia
encha meus versos de alma
de sentimento e magia
não quero raiva nem mágoa
onde meu verso deságua
água é vida e alegria

dê-me senso de verdade
de justiça e harmonia
dê-me prazer e vontade
pra seguir esta porfia
pra beber água de fonte
no mais longínquo horizonte
água é vida e alegria

eu louvo a água da bica
da tempestade bravia
da chuva mansa que fica
parecendo melodia
louvo a água das lagoas
no sossego das taboas
água é vida e alegria

louvo a água da vertente
das marés da calmaria
da geleira onipotente
do charco sem travessia
as águas do mundo todo
em qualquer parte do globo
água é vida e alegria

eu louvo a água salgada
e porque não louvaria
a água benta e sagrada
que canta dentro da pia
no sacrossanto batismo
ou no mais profano abismo
água é vida e alegria

peço licença à Iara
à Virgem Santa Maria
ao deserto do Saara
só de Deus a travessia
nos quatro cantos do mundo
escrevo o mote profundo
água é vida e alegria

peço licença ao Nordeste
ao Pernambuco e a Bahia
não estou fazendo teste
nesta minha alegoria
só quero cantar ligeiro
no coração do coqueiro
água é vida e alegria

eu também peço licença
pro santo da romaria
eu canto aqui na presença
de mendigo e fidalguia
pra todo tipo de gente
pra passarinho e serpente
água é vida e alegria

a Senhora Aparecida
santa de muita valia
peço carinho e guarida
para todo o santo dia
para toda raça humana
sob os Arcos do Santana
água é vida e alegria

canto o Rio São Miguel
São Domingos me alivia
da sede seca e cruel
que a tudo mataria
peço ao Córrego das Almas
às aves que batem palmas
água é vida e alegria

eu canto pois acredito
na real democracia
escrevo aqui e recito
do povo a sabedoria
maior que ouro e riqueza
é seiva da natureza
água é vida e alegria

eu canto porque desejo
não fosse não cantaria
canto igual um rio andejo
um tirador de folia
passando de casa em casa
mesmo quando apaga a brasa
água é vida e alegria

eu canto como se fosse
cantiga de profecia
água salgada foi doce
noite fechada foi dia
para o veloz albatroz
para o bicho mais feroz
água é vida e alegria

quero ver se alguém duvida
do cantar que se enuncia
se duvidar que decida
sem falsa velhacaria
água vem do ribeirão
corre na palma da mão
água é vida e alegria

vou saudar o São Francisco
não quero a sua agonia
pelo poder de Corisco
pela fé na cantoria
salve o Jequitinhonha
salve o leito de quem sonha
água é vida e alegria

pela bela Casca Danta
cachoeira que anuncia
fortaleza pura e santa
salto de água mais fria
pela glória nacional
unidade sem igual
água é vida e alegria

de São Roque à Pirapora
a água desce macia
Arcos de Luz mais sonora
meu Bom Jesus da Bahia
de Paulo Afonso a Penedo
o rio guarda segredos
água é vida e alegria

Real Porto de Iguatama
vai bebendo a geografia
de água areia de lama
canto de rio assovia
o Velho Chico não cabe
só na palavra saudade
água é vida e alegria

Lagoa de águas claras
de Prata que alumia
de lendas lindas e raras
nas curvas de cada dia
o rio banha a cidade
canta de felicidade
água é vida e alegria

o pequenino Santana
onde a boiada bebia
onde havia tubarana
onde a enchente gemia
só tem areia mais nada
na paisagem degradada
água é vida e alegria

Rio Preto São Miguel
águas de toda a bacia
São Domingos é corcel
saltando na pradaria
Amazonas e Madeira
nos cantos da terra inteira
água é vida e alegria

Vargem Bonita Moema
desce o rio em cantoria
canta o mesmo dilema
de água viva em porfia
nos acordes da viola
por toda a parte que rola
água é vida e alegria

nos bosques de Cambuquira
a santa paz irradia
feito o som de uma lira
no fulgor do meio dia
Nossa Senhora das águas
vela o mistério das matas
água é vida e alegria

quero saudar Zé Limeira
poeta de maestria
bebedor de cachoeira
rimador a revelia
vejo o poeta com sede
morrendo a mingua na rede
água é vida e alegria

Zé Limeira foi ao mar
bem cedo ao romper do dia
viu o mar se evaporar
rezou pra Virgem Maria
pediu pra tudo que é Santo
nas Sete Quedas de espanto
água é vida e alegria

promovendo mais façanha
fez das nuvens montaria
sobrevoou as montanhas
foi parar lá na Turquia
queria água de mina
onde a fartura germina
água é vida e alegria

quero saudar as florestas
desertos em alquimia
as cidades e seus insetos
inútil maquinaria
nas ruínas pós-modernas
nas caçambas e cisternas
água é vida e alegria

a água vem do escuro
vem de onde se alumia
nasce de jeito mais puro
rola pela serrania
todo o planeta precisa
sem água tudo agoniza
água é vida e alegria

sem a água os motores
da terrestre engenharia
não fariam seus terrores
contra a ecologia
a água move moinhos
na solidão dos caminhos
água é vida e alegria

existe água nas frutas
veja só a melancia
a água vive nas grutas
torna a terra mais macia
no sertão ou na cidade
é a mais pura verdade
água é vida e alegria

tem gente que desperdiça
água só por picardia
por tolice ou por preguiça
até hoje quem diria
não sabe que água é sangue
no riacho ou no mangue
água é vida e alegria

é um dom da natureza
e tem muita serventia
serve pra lavar tristeza
lavar medo e covardia
é contra toda sujeira
a água é nossa bandeira
água é vida e alegria

não é preciso dizer
quem disser não pecaria
é ela que faz nascer
esperança e poesia
nos campos de plantação
água nova é promissão
água é vida e alegria

cuidar das águas nascentes
das águas mornas e frias
soltar as águas correntes
das importantes bacias
é uma ação cidadã
na Terra de Canaã
água é vida e alegria

ao leitor faço um pedido
eu não quero regalia
faça o que aqui foi lido
dê asas a ousadia
da água faça a defesa
em nome da natureza
água é vida e alegria

e na hora de votar
defenda a cidadania
vote em quem vai legislar
com saber e garantia
presidente ou senador
deputado ou vereador
água é vida e alegria

mas não espere somente
assim não alcançaria
esta batalha é urgente
senão tudo secaria
lute sempre organizado
no Planeta ameaçado
água é vida e alegria

seja empresa privada
ou poderosa autarquia
não vale ação isolada
nem mera demagogia
o Governo e a Igreja
sabem que nesta peleja
água é vida e alegria

eu vou seguindo o caminho
de água mansa e macia
às vezes piso no espinho
não vejo a estrela guia
ela mora lá no fundo
no rio turvo do mundo
água é vida e alegria

você termina a leitura
será que terminaria
água mole em pedra dura
assim bate a poesia
de tanto bater na gente
agita a água corrente
água é vida e alegria

mas a vida não termina
isto você já sabia
escreve aqui quem assina
em nome da ecologia
que a mãe d'água nos proteja
bendito louvado seja
água é vida e alegria

finalmente me despeço
talvez seja utopia
esperança em excesso
confiança e rebeldia
contra a corrente do tempo
viva a água em movimento
água é vida e alegria

se quiser falar comigo
não precisa cortesia
trato amigo como amigo
o que é bom com simpatia
poesia é água nova
não precisa mais de prova
água é vida e alegria

meu nome evangeliza
o verbo aqui se inicia
não quero honra de artista
nem se fosse não queria
meu ofício é escrever
quem quiser venha beber
água é vida e alegria

isto é Fraternidade
dividir a poesia
defender a humanidade
contra toda a covardia
participe da Campanha
entre o céu e a montanha
água é vida e alegria

independente da raça
do credo da ideologia
beba a água dessa taça
faça da dor harmonia
pois em todo o Universo
nas gotinhas destes versos
água é vida e alegria


..................................
PREFÁCIO AO TEXTO NOSSA SENHORA DAS ÁGUAS,
DE JOÃO EVANGELISTA RODIRGUES,
POR ELIZABETH MARIA DOS SANTOS


O homem de fé roga a Nossa Senhora das Águas que o venha fortalecer... e para seus versos encomenda sentimento e magia. Nossa Senhora das Águas o que tem com os versos desse homem... o que tem com a poesia?
Nossa Senhora das Águas, este canto de fé que o poeta João Evangelista Rodrigues mais uma vez nos oferta, propõe e provoca esse encontro: da poesia com as águas, na irmandade que guardam. A extrema poeticidade, a leveza, o manejo lúdico das palavras, são traços singulares do texto do autor e, nesta obra, de modo muito especial, vêm-se associar à temática, confundindo-se ao ritmo, à melodia, à fluidez da água corrente. Nesse ritmo, na melodia insistente das águas, corre um riso/rio/rito de fé, a se reiterar na forma onomatopéica do refrão: “Água é vida e alegria.”
O signo da água, (re)corrente na poética do autor, atesta a estreita relação de quem foi nascido e criado em beira de rio. O desafio do rio – poemas, escrito na década de 70, as canções “ Canção da Lua Nova” e “Ladainha”, em parceria com Rubinho do Vale, entre outras criações, deixam transparente essa ligação natural do poeta com este elemento vital da sobrevivência em nosso planeta – a água.
O texto Nossa Senhora das Águas pode ser visto como reflexo nítido dessa natural ligação. O livro começa a ser produzido em 1998, quando o autor, em suas costumeiras andanças pelas cidades mineiras, estudava o movimento das águas. Dessa aventura, novas buscas e outros encontros vão surgindo. Do contato com a gente simples de Rondônia, do Jequitinhonha, com essa gente que vive, que canta e conta com paixão a terra e o rio, nasce A mutação dos barcos (1989). Aqui, mais uma vez, a água se faz o signo movente, o movimento, o fio corrente da poesia.
O gosto pela oralidade é outro traço marcante do texto de João Evangelista Rodrigues. Os laços estreitos com o imaginário popular, ou esse vínculo com a tradição oral pode ser atribuído, novamente, à vivência do autor com os contadores de “causos”, dos sertões e dos vales por onde andou. E, certamente, ao seu efetivo envolvimento com a cultura popular mineira, que conta com parcerias importantes, como a do músico e compositor Toninho Camargos, a do escritor, compositor e pesquisador da cultura popular Téo Azevedo. Fazem também parcerias com o autor Joacir Ornelas, Zé Baliza e Pereira da Viola, também pesquisadores e representantes da cultura popular. Em Nossa Senhora das Águas, a marca da oralidade é duplamente revelada, pelo espelho de sua própria forma: o cordel.
Como a relação com as águas - fio corrente desde a infância -, marca-se a afinidade do autor com os cordelinhos. Ainda menino, descobriu um baú de poemas de cordel, ao qual rendeu-se encantado. O pavão misterioso e A Princesa Porcina são algumas das relíquias desse baú. A descoberta foi, sem dúvida, um dos importantes motores do interesse do poeta pelo gênero, que aos leitores mineiros já prestigiou com diversas publicações, como A verdadeira história do bandido da cartucheira, Os irmãos Piriá: uma guerra no sertão, A peleja do Jornalista Mineiro pela Viola Afinada, entre outros cordéis, alguns ainda inéditos, como A Brasília do seu Raul, Sonhar não é proibido, As aventuras do Fusquinha Prateado, Tudo isto é Cultura, Natureza e O dia em que o Brasil se Coloriu.
Há quem tenha preconceitos contra o cordel, sob a alegação, muitas vezes, de que se põe numa relação bastante pragmática com o poder. Isso talvez se deva à perspectiva de que, o ritmo e a métrica, que são próprios do cordel, por contribuírem com a fácil memorização, podem funcionar como elementos persuasivos. De fato, composições do gênero são freqüentemente utilizadas em campanhas políticas e no cumprimento de objetivos promocionais. Mas, se é esse o grande pecado desse tipo de literatura que muito se aproxima do povo, que é quem protagoniza seus enredos, há de se prezar sobretudo as reais qualidades do cordel, como o alto poder de comunicabilidade, a capacidade de expressar, com o parentesco que guarda da tradição oral, os conflitos e as temáticas do cotidiano. Há de se considerar a liberdade que os cordelinhos têm para cantar essas temáticas. Liberdade que certamente tem como base a aproximação do gênero com algumas características próprias do jornalismo, como atenção especial aos grandes fatos da humanidade, às tragédias, aos momentos históricos importantes, pautando –se pela atualidade, rapidez e, por que não, por uma certa referencialidade, sem prejuízo, por se tratar de autêntica literatura, da ficção e do imaginário popular.
E, além de haver quem tenha preconceitos contra o cordel, há ainda quem os tenha contra os cordéis mineiros. Assim, ao incluir experimentações do gênero no contexto das Minas Gerais, o poeta esbarra em, pelo menos, duas significativas dificuldades: primeiro, na perspectiva do cordel como literatura menor e, depois, no fato de que esse tipo de composição não é própria de nosso contexto cultural, embora se saiba que Minas guarda uma relação muito forte com a cultura da Bahia e, de maneira geral, com a dos estados do Nordeste, berço do cordel no Brasil. E é a água o elemento que contribui para a firmeza dessa relação, traçada via região norte e nordeste do estado, através dos caminhos de água dos rios Jequitinhonha e São Francisco.
Que, em relação às letras, as nossas Minas tenham reconhecida e respeitada representabilidade na tradição oral, não restam dúvidas. Basta que se mire num dos mais importantes dos nossos cânones, João Guimarães Rosa, para que isso se referende. Mas, curiosamente, o cordel, que nasce na França e, no Brasil, encontra o Nordeste como sua maior referência, não é tradição mineira. Se bem que, se falarmos também em Carlos Drummond de Andrade, com “João e Maria”, podemos até dizer que temos boas representações no gênero.
Apesar disso, o que significa puxar o fio de um cordelinho nessas Minas de cá, senão um ato de ousadia, de irreverência contra as limitações que se impõem? É certamente a consciência desses aspectos que motiva o autor a, quase como a se reparar por se apropriar do gênero, dizer em Nossa Senhora das Águas: “Peço licença ao Nordeste/ do Pernambuco à Bahia/ não estou fazendo teste/ nesta minha alegoria/ só quero cantar ligeiro/ no coração do coqueiro (...).
Que as licenças sejam concedidas, ao poeta, pelos leitores mineiros e por todos aqueles que apreciam a arte do cordel. Que Nossa Senhora das Águas, a mesma que protege as terras e as fontes da Cambuquira, conceda ao nosso poeta, que aqui escreve e recita “do povo a sabedoria”, os desagravos e as graças merecidas. E que, no contingente do gota-a-gota que há de se formar, não nos esqueçamos do mote principal, cuja memorização e prática se torna cada vez mais urgente às graças da Terra: “Água é vida e alegria”.
Não por acaso, a Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema este apelo: ”Água, Fonte de Vida”. Intuição, premonição (ou premunição?), sensibilidade, ou seja lá o que for, assim é que se vai tecendo a fala dos poetas: liberta, comprometida com as urgências de seu tempo, carregada de sentidos, de enigmáticas profecias.



Literatura de Cordel

A linguagem sempre foi para mim um desafio. A linguagem independente de sua linhagem. Da paisagem onde a letra/signo se desenvolveu.
Desde muito cedo, ainda no curso primário, costumava fazer experiências com a palavra, com o som com a imagem. Tanto a imagem verbal , quanto a plástica ou sonora. Vivia imerso em um mundo de linguagens. Estava como que sozinho naquele universo mágico e magistral da linguagem. Pedras, árvores, rios, pássaros, armas e armadilhas de toda a ordem. Foi neste ambiente que, por acaso, descobri a literatura de cordel. Encontrei um baú no porão da casa de minha avó, Ana Leopoldina de Jesus. Era uma casa grande , com muitas portas e janelas. O jardim ficava na frente. Minha vó dava pousada para os viajantes e mascates. Aueles curiosos livrinhos, com capas engraçadas e rimas ficavam espalhados pela casa. Nem sabia ler ainda e já me agarrava com eles .Foi amor à primeira vista. A terra do Oeste de Minas é fértil e a literatura de cordel germinou, sem dificuldades, ao lado do desafio, da reza de novena, da festa no Cruzeiro, das cantigas de mutirão, das histórias mal assombradas e das cantigas de roda. Só mais tarde me visitariam outras formas poéticas, o que há de melhor na literatura brasileira. Muitos anos depois, viajei para o nordeste brasileiro.Lá enocntrei-me com grandes repentistas e poetas de cordel. Ainda bem, que o preconceito contra esta literatura está acabando. Pra mim, jornalista de profissão, o cordel é uma notícia em verso.Um puco fantasiada, exagerada, ás vees, é verdade.Mas puro jornalismo em verso, atento e capaz de relatar , cantando, aspectros que certamente escaparia ao clássico e rígido modelo jornalístico com seu nada criativo lide.
Ao longo de minha formação e produção literária escrevi vários textos de cordel. No entanto, considerando minha trajetória histórica e cultural, não posso me considerar um poeta de cordel, mas um admirador,colecionador de livros de cordel. Quanto aos cordéis que escrevi e, que aqui divulgo, cabe ao leitor e aos críticos, se críticos houver, a incômoda tarefa de avaliar e comentar. Escrevo.Escavo. Escravo do verbo escreviver como posso o tempo que a mim me cabe viver.Cumpro minha sina. Se a “rima não é solução”, pelo menos para mim é soluço, é som.




Muda Brasil X
Muda, Brasil,
ou mudo eu.
Não ficarei:

pelos agouros da acauã ,
pelas águas do Opará,
pelas agruras de Canaã.
pela ópera dos operários,
pela nova trova,
por toda a América,
por Aatahualpas ,
Anitas, Nerudas e JKs
Elis e Pagús,
por Felipe dos Santos,
Victor O’hara, Vandrés e Herzogs.

Pelas asas do Condor,
pelo Águias e Urubus,
pelas sagas dos tambores,
maritacas e nambus,
bem-te-vês e beija-flores,
pelas chagas dos algozes,
pelos penhascos e penhores,
pelos punhais ,
por tantos outros que somos,
submissos servidores,
subservientes rivais,
por tantos outros nem santos,
coveiros e canibais,


Muda, Brasil ,muda,
pelos poderes de Leviatã,
pelas inevitáveis manhãs,
pela bandeira do sem nome,
pela leviandade dos titãs,,
pelas Terras do Bem virá,
pela garoa de São Paulo,
por Paulo Leminski ,
Paulo Freire,
Maiakovski,
Castro Alves,
Rimbaud ,
João Cabral e Drummond.
Em nome de todo nome,
pelo vento dos Pampas,
pelos Filhos de Ghandi,
pela Ilha de Santa Cruz,
pela Bahia de Todos os Santos,
pelos tambores de Xangô,
pela dunas e montes,
pelas damas e monges,
por tudo o que ainda não se viu,
por tudo o que já se passou,
pelo Cálice
de Chico Buarque de Holanda,
pelo convite da banda,
muda, Brasil, muda!

pelos degredos da palavra Pátria
pelos segredos da palavra apátrida
pelos poderes da palavra sem data

LEVANTA-TE E ANDA.